11.2.15

Quem vai ao mar perde o lugar

Queens of the Stone Age, “The Lost Art of Keeping a Secret”, in https://www.youtube.com/watch?v=0l0nzPpvbFs
Propedêutico da sobrevivência no meio das selvas (que é onde quase todos vivemos): uma cadeira deve ser imorredoira. Agarrada a tiracolo, pespegada ao cóccix, transportada em trela pela mão no momento desocupada, o que quer que seja. Pois se nos ensinam que as distrações podem ser fatais, não nos seja permitida a ousadia de deixarmos a cadeira sem a nossa presença enquanto treinamos um qualquer lazer, ou um devaneio momentâneo. Pois que, no regresso, a cadeira pode ter outro inquilino, ou pode ter-se sumido entre o silêncio das nuvens. Nessa altura, descadeirados e sem norte, temos a errância garantida.
Enquanto durar esta indigência, sonâmbulos de nós mesmos enquanto simulacros que somos, mendigamos por sustento, mendigamos por alguma atenção, por uma palavra metida no meio de uma conversa. Não adianta que nos viremos do avesso em demanda de arrependimento. Não é solução para desafio algum. É seguro que não podemos ir em desatenção, que alguém pode ter ido a banhos ao mar e ter deixada desatendida a respetiva cadeira. É quando se recupera a dignidade. Um poiso, enfim, quando o pensamento entrava em desesperança.
Espera-se, doravante, que a lição tenha sido aprendida. O mar pode ser uma tentação. Quase irresistível – ou mesmo irresistível, se quisermos ir ao limite. Que as lembranças do período descadeirado se avivem e suplantem os holofotes acendidos pelos diabretes que acenam com o esgar dos desejos irrefreáveis. Isto não é como os gatos, de quem se diz terem sete vidas para gastar. A ausência de cadeira, em podendo ser nociva, que nos leve pela lucidez de a mantermos nossa mentora. Sem a cadeira a coluna vertebral perde sentido, consome-se no cansaço da impossível verticalidade.
Deixemos o mar onde está. Vivaço, encantador, fautor de maresia. A menos que nele entremos sem nos despojarmos da cadeira. Pode ser um quadro surrealista. Mas ao menos não teremos a ingrata e má nova de saber que a cadeira que era regaço se ausentou em parte incerta.

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