17.2.15

Torre de marfim

Pond, “Man It Feels Like Space Again”, in https://www.youtube.com/watch?v=iNbPg6zKmPI    
Afaga na bolsa dos interiores pensamentos a bissetriz de todas as coisas. Tira as medidas. Com vagar. Verás que palavras fortes como “diferença”, “singular”, “radical”, “intensidade” virão ao de cima. Talvez peças meças aos que de fora são tua ilharga. Ao alto em baixo, de todos os lados, notarás que todos são um pouco da tua antítese. Foi quando notaste uma convocatória irrecusável: subirias à torre de marfim, onde a tua provável sociopatia podia ser confirmada. Ou não.
É como se fosse um retiro (sem as peias de uma religiosidade qualquer). Proeza que se mede pela bitola de um desafio. Perguntas ao sangue que te percorre por dentro se conseguirás superar o repto da solidão. Qual será a medida do tempo que afiança essa condição, antes que julgues ter chegado o momento de seres devolvido à civilização onde medra gente? Convence-te: não podes desviar da direção programada, distraído por colaterais minudências. Não é o método que conta; é a perseverança da intenção.
Tempo depois, ao cabo de noites sem sono, de noites assaltadas por pesadelos medonhos, de tempo a fio de depuração dos interiores pensamentos, de todo o tempo (que nem sabias quanto) em que notaste a humidade a corroer as dobradiças das janelas, extenuaste da função. Não foras feito para te suportares a ti mesmo sem teres de protestar com alma alheia. A certa altura, convocaras a indigência a ti mesmo. Perguntavas às paredes frias se não serias a pior pessoa do mundo.
A torre de marfim levitou as questões incandescentes. As perguntas que, de outro modo, não teriam palco. Não sabias (nem querias saber) se o exílio voluntário na sufragada solidão faria de ti pessoa melhor, ou sequer pessoa diferente. Podiam alguns contrapor que esse era o desiderato. Desestimando a observação (que até podia ser atilada), só te interessava a lente diferente com que vias as coisas todas. Depois. Depois do exílio voluntário. Não era mister aclarar da bondade da torre de marfim. Contentavas-te com o exercício, a decantação necessária. Como se grande parte do tempo já gasto resumisse as funções vitais que eram teu norte sedimentado.
Talvez a torre de marfim tivesse ensinado uma nova rosa dos ventos. Mas não havia certezas. Continuava a não haver certezas. Como dantes.

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