2.3.18

A refundação da gramática


Brendan Perry, “The Carnival Is Over” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=v1efFElGyOM    
Prelúdio não oriental – oriental, nesta gramática refundada, como eferente de orientação. Prelúdio, apenas. Um começo – ou um recomeço, que tudo acaba por desaguar no mesmo estuário. Peças ornamentais não dispensáveis. O chão cuidadosamente escolhido para ser escoramento do palco. Cortinas com cor criteriosamente escolhida. Os verbos ajuizados. Frases alinhadas nas telas que se aformoseiam ora com uma centelha soalheira, ora mercê de uma luminosidade baça vertida por nuvens maciças.
O olhar composto, deitando atenção nas coisas entronizadas no sufrágio das importâncias. O olhar propositadamente desviado dos contratempos em que fermenta a ira. A reinvenção dos sentidos, esvaziando os sentidos que indispunham. Vazados em sua substância, cedendo o passo (e com substantiva genuflexão) aos sentidos que conferem a luminosidade singular que adeja sobre o olhar descomprometido. As mãos suadas que procuram anteparo. O corpo que não se cansa, esteado em biombos que não são fingimento. As mãos metidas na neve imaginada. No mar imaginado. Recolhendo do sal a fusão dos imperativos que se dissolvem na grandeza por diante. Os olhos que desenham outra linha do horizonte, empurrando-o além da sua linha graduada.
O espaço é coutada que pertence a quem o tutela. Sem cuidar de arranjar hermenêutica a combinar, que as emaranhadas interpretações se esvaziam no paradoxo da sua complexidade. Receber a manhã com o corpo preparado. A alma alimentada pelos dias antecedentes, insaciável na prova do tempo que for legado no cais aberto ao mar. Sem o engodo das falas meãs, sem o precipício propositadamente congeminado, sem o larvar sacrifício, inútil. A nova gramática, prontuário inteiro, esquiço de palavras redesenhadas, de frases obedecendo a nova métrica, devolvendo aos curadores das regras as regras endeusadas. Pois não há melancolia enquistada na funda alma. Não há sobressaltos campeões, ou frivolidades que não o mereçam ser, sem sobre elas se abater a infâmia – e a infâmia debruada a menos ouro do que as frivolidades.
Colha-se o orvalho que se desprende dos ramos ermos, o néctar singular do dia que é esteio. Apreciem-se as ondas que varrem o areal desde as varandas sobranceiras ao mar. E da esperada generosidade da página em branco, sejam vertidas as sementes quiméricas que são a transgressão ordenada da ordem desafiada. A gramática refundada, sua orquestra afinada.

Sem comentários: