PJ Harvey, “The Wind”, in https://www.youtube.com/watch?v=GmOMuBYEejc
Um garrote constante sitiava a luz
do dia numa tela desmaiada: as resoluções ajuramentadas eram de tal grandeza
que até ele ficava assarapantado – indagava, por dentro de si (como se houvesse
mister neste diálogo que não passava de um monólogo disfarçado), como era possível
tanta eloquência no registo das intenções. Os problemas, ausentes então, tinham
eclosão mais tarde, quando o tempo era implacável e exigia prestação de contas.
Sentia-se um motorista a conduzir uma Bentley de luxo – só que a função não
passava de um sonho e, no máximo, as luvas que usava eram as que carecia para
se proteger do frio. Não havia sequer volante para escolher a direção por onde
seguir.
Estes eram os grandes desígnios:
a casa da partida, os cânones reinventados, o chamamento da mudança, uma nova
grelha de análise. E um ciclo vicioso: como o cão que anda atrás da cauda sem a
conseguir morder, apesar de ter jurado a pés juntos que a haveria de morder. As
resoluções acabavam por se perder no restolho do adiamento. Se a memória fosse
bondosa, acabariam perdidas na vulgata do esquecimento. Até que novo pulsar
interior interrompesse o marasmo em caução do momento hermenêutico de si mesmo,
convocando a interior peregrinação que haveria de desaguar num diagnóstico
implacável, na exigência de mudança para romper com o diagnóstico implacável.
Não era neófita, esta
incapacidade. Era a história de uma vida. A teoria era perfeita (pelo menos,
quando ajuizada pela sua muito parcial lente – que, para os devidos efeitos,
era a que interessava). A teoria, contudo, não tinha correspondência nas
realizações. Nas ausentes realizações, que eram a prova da infecundidade da
teoria. Num repente, quando dava conta do imenso buraco negro entre a teoria e
as realizações, atirava a culpa para a teoria, num golpe de auto-negação. Sem perceber
que a comiseração assim fundamentada não o ilibava: ele fora autor da teoria;
se era imprestável a teoria, o libelo acusatório só podia recair em quem fora
seu autor.
Um dia, do nada, descobriu o
segredo: tinha de tatuar uma jura para dela não haver olvido posterior. Seria como
o selo perpétuo firmado na pele própria, como se fosse uma jura registada em
notário. Não teria como fugir. Teria, enfim, a oportunidade para ser juiz de si
mesmo, sem arranjar expedientes ou fazer do esquecimento usura.
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