Mogwai, “Don’t Believe the
Fife” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=ZIhDdVaqF8U
O tatuador tinha recrutado o
pensamento, resgatando a conversa entre dois (a seu ver) despeitados.
Continuava convencido que, pudessem eles, recuavam e se abrigavam no refúgio de
ideias de onde foram expulsos. Pela sua experiência, as pessoas não renegam tão
depressa as ideias. Sabia do que falava. A sua experiência era o selo da
versatilidade. Ao contrário dos outros dois, com quem depois meteu conversa e
quase se desentendeu, nunca foi de militâncias. Mas teve as suas ideias. Não era
um apóstata. A discrição exigia que não andasse a servir de testa-de-ferro dessas
ideias. Sempre recusou ser carne para canhão de qualquer causa, mesmo as que
subscrevia com convicção.
Conheceu muitas pessoas que eram
de uma lealdade canina aos grupos a que tinham pertença. Eram capazes de
abdicar da sua dignidade se um guru da causa fosse atacado, ou se o guru
pedisse para darem o peito pela militância porque era conveniente no momento
considerado. O tatuador aceitava que as pessoas se cansem de uma pertença e se
afastem, deixando-se para lugar pouco visível e sossegado. O que causava espécie
era saber se é possível as ideias de uma vida inteira serem abjuradas em nome
de uma dissidência forjada por inimizades, por incompatibilidades, ou por
comportamentos heréticos (para a causa). Nestes casos, as pessoas eram
expeditamente expurgadas do grupo, mas não podia acreditar que ficassem órfãs de
ideias.
Foi quando colocou a interrogação
do avesso: e as ideias de uma pessoa, são para sempre? Não podem mudar, à
medida que os acontecimentos as tornam obsoletas, ou quando são por eles
hipotecadas? Não podem os arrependidos das ideias, assim destronadas, escondê-lo
por temerem ataques dos da casta e dos outros, que se julgam julgadores da coerência
dos outros? A resposta não demorou: não, as ideias não são perpétuas. Podem mudar
com a cor do tempo, com outros ângulos que chegam ao olhar, ou apenas porque no
apogeu de uma interrogação sistemática as ideias transitadas no pretérito
ficaram gastas, inúteis. Ele foram tantas as vezes que mudou de ideias. Sentia-se
bem desse modo. Dava um exemplo de nomadismo de ideias. E nem se importunou,
por achar que perdia o rasto à coerência. A maior das incoerências é quando
interiormente tudo concorre para a mudança das ideias e a obstinação de as
manter, ou o medo de dar o flanco da incoerência, se sobrepõem.
O tatuador também ficou
impressionado, na véspera, com o plátano centenário que estava a ser abatido
pelos serviços camarários. Ao contrário do homem a quem julgaram tendências
suicidas, o tatuador testemunhou o abate. No dia seguinte, passou pelo mesmo
lugar, por acaso. Nem sequer o toco ficou como memória futura do outrora majestoso
plátano. Os serviços camarários limaram o toco da árvore decessa ao ponto de ficar
raso, ao nível do restante chão.
Estava provado: as ideias têm de
mudar quando o palco muda.
Sem comentários:
Enviar um comentário