(Da série: podia ter acontecido e aconteceu mesmo.)
Um homem vai a uma loja de móveis e afins. Escolhe dois sofás. Quatrocentos e cinquenta e oito euros. Terá concluído que o preço era exorbitante. Adulterando os mecanismos do mercado (e as leis, por sinal), encontrou duas almofadas que custavam, o par, dez euros. Mecânico de profissão, o homem extraiu os códigos de barras das almofadas e substituiu os que estavam nos sofás pelos que emigraram das almofadas. Pagou dez euros por dois sofás que custavam quatrocentos e cinquenta e oito euros. Nem no melhor Black Friday podia encontrar tamanha pechincha.
Correu quase tudo bem (na perspetiva do patife). Já depois de passar a caixa registadora automática, foi intercetado pelos seguranças do estabelecimento comercial. Ficou sem os sofás, sem os dez euros e, levado a tribunal, foi condenado a pagar dois mil duzentos e quarenta euros de multa. A notícia não revela como o homem foi apanhado a delinquir. Podemos começar a jogar às suposições: agora que as câmaras de segurança estão por todo o lado, o funcionário que passa sabe-se lá quantas horas a fiscalizar os ecrãs das câmaras de segurança descobriu a patifaria. O estabelecimento comercial não teve contemplações. Ninguém merece pagar dez euros pelo que custa quatrocentos e cinquenta e oito euros.
As suposições prosseguem: terá o homem protestado a inocência, sendo a sua literal inocência (no sentido de ingenuidade) tão exacerbada ao ponto de desconhecer a existência de câmaras de segurança num estabelecimento daqueles? Terá o homem implorado por comiseração, desfiando um rosário de misérias como pretexto para o ato tresloucado de fazer passar dois sofás pelo preço de duas almofadas?
Por cima da especulação, uma imagem pungente: o fracassado meliante desloca-se à agência bancária no tribunal para pagar a multa. O olhar de censura social do funcionário do banco, ao verificar a guia de pagamento e o que lhe deu origem. O olhar envergonhado do patife frustrado, imerso no arrependimento de quem, de parcos recursos, decidiu pagar dez euros por dois sofás de quatrocentos e cinquenta e oito euros e acabou tosquiado, sem os sofás nem os dez euros e uma multa de dois mil duzentos e quarenta euros para liquidar.
Até para ser patife é preciso ter competência.
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