28.5.21

A culpa que se carrega

Mogwai, “Its What I Want to Do, Mum” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=F7B6-xlSjPA

A culpa só interessa ao seu curador, a quem os ossos pesam pela expiação. Só é da conta de quem do passado resgata um arrependimento que converte a culpa em dor. 

A culpa não interessa aos demais. Não se podem constituir em juízes, como se fosse possível serem eles os delatores da culpa que é de outros. Não interessa que sejam os julgadores parciais que querem à partida uma condenação do presente pela mediação do passado, ou que todo um passado seja amaldiçoado com a fiança do presente. A culpa não é intemporal.

A culpa é individual. Mesmo quando é sopesada em nome de um grupo. Até quando o que pesa no critério aferidor da culpa é o somatório de decisões de indivíduos, a culpa é a soma das culpas individuais de quem concorreu para o atropelo configurado como culpa. Quem ousa ser a balança impecavelmente calibrada onde se pesa a culpa dos outros, é à prova de culpa? Não é admissível que quem tenha de acertar contas com as suas próprias culpas tenha condições para medir a culpa dos outros. A garantia da imperfeição de todos os habitantes do mundo exclui do processo de expiação da culpa todos os que adejam sobre os outros e consideram a culpa que lhes assiste. Não podemos ajuizar a culpa dos outros quando temos o encargo da nossa própria culpa.

É esta culpa que temos a cargo que nos arqueia os ossos. As corcundas são invisíveis, pois o processo de compreensão da culpa é mais ou menos dilacerante, mas só diz respeito a cada um. Mesmo quando a expiação se traduz na comunhão das dores com outrem, esse é apenas um processo. A expiação resulta melhor quando é processada para o exterior. Não se pedem indultos, nem a indulgência das pessoas a quem é comunicada a culpa. Apenas um ouvido atento.

Noutros casos, a culpa medra na solidão da consciência. É um processo interior que percorre um caminho labiríntico, à espera de um sinal para o resgate do sono, entretanto em convulsão pelo sobressalto da culpa. É um peso que transcende a tara dos corpos. Um peso que só a parte exterior ao corpo consegue suportar. Nem que a culpa seja inapagável e o processo peça um meio de a mitigar pela estepe que a vida atravessar doravante. Dir-se-ia, em linguagem moderna, um processo de gestão de danos. Dos danos próprios que se oferecem na palmatória da culpa que sobressai pelos danos causados noutros.  

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