As montanhas crescem a despeito da tempestade. Os pés avançam no meio do nevoeiro intangível. Avançam, sem saber o destino. Só sabe que não pode interromper a demanda; não sabe porquê. Avança contra a intempérie. O corpo irrompe contra o vento. Mas já mudou de rumo e o corpo tem sempre o embaraço do vento que murmura uma ladainha ininterrupta: “não sairás daqui sem dano. Não sairás daqui sem dano.” (A segunda advertência espaçando cada sílaba, para nenhuma ficar ininteligível.)
A água da chuva torrencial escorre pelas ladeiras, formando riachos onde não existiam. É outra contrariedade. Já não tem os pés como partes sensíveis, tanta a água fria que se embebeu na ossatura. Mas ele não pode parar. Não agora, sobretudo agora, que a tempestade tomou conta de um par de graus na medição da sua intensidade. Sente que o corpo é um inerte atirado contra as paredes de uma centrifugadora. É como se a sua vontade tivesse sido dissolvida na água colossal que caía de todos os lugares. Até das entranhas da serra a água subia à superfície, como se a água subterrânea considerasse iníqua a repressão enquanto a água demais se afidalgava numa coreografia estonteante, conferindo o reinado aos elementos irascíveis.
Ele só perguntava: “para que lado fica o poente? Para que lado fica o poente?” (A segunda interrogação espaçando cada sílaba, para nenhuma ficar ininteligível.) Uma voz, em surdina, desenhava meticulosamente a palavra “poente”, letra a letra, para que nenhuma parcela da palavra ficasse sem paradeiro. Devia ser um sinal. Seguiria esse sinal. Podia ser que o labirinto que o sitiava tivesse uma porta de saída na direção do poente. O ar plúmbeo impedia a localização empírica. O poente seria para um lugar qualquer. Ele não sabia qual.
Se ao menos soubesse quanto tempo fora reservado pela tempestade, podia esperar pelo tempo dela para se refugiar numa gruta e ficar a salvo dos mananciais de água que o cercavam. Não sabia. Já tinha idade para ter aprendido que as imprevidências são próprias dos que se julgam audazes, mas não passam de inexperientemente loucos.
Dava azo à voz tonitruante (para ver se se fazia ouvir mais do que a tempestade) e perguntava uma vez por minuto: “para que lado fica o poente? Digam-me, para que lado fica o poente?” E prosseguiu, errante, antes que a noite tomasse conta do poente. Haveria de chegar ao poente antes que o poente provasse a sua condição. Não seria uma tempestade medonha que cuidaria da capitulação. Já passara por provações maiores.
Sem comentários:
Enviar um comentário