12.5.21

Secador de lágrimas (contextualização)

Death Cab for Cutie, “Transatlanticism” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=Nr6R98tTW0U

Circunstancialmente: desajeita-se a pele, que as lágrimas são vertidas sobre ela como um glaciar que se imorredoira. E, contudo, existe um destino para as lágrimas? Se ao menos delas se ajuramentasse o sal com mercado, haveria a suposição de uma serventia para as lágrimas. As pessoas que não são tutoras momentâneas das lágrimas depreciam-nas, avisando que delas não se espera uma foz decifrada. São as mesmas pessoas que, fora dessa circunstância, não podem dizer que não são reféns de lágrimas ocasionais.

Dir-se-á: enxuguem-se as lágrimas, que o sal que nelas se embebe é como cal vertido sobre a carne viva. Uma fonte essencial de sofrimento: da dor estimada no porão das lágrimas, à dor que se junta por as lágrimas derramadas sobre a pele a torturarem sem contrapartida. Ordenam-se os parágrafos pelo critério avulso. Se uma lágrima furtiva se despenhar pela curvatura do rosto, que não seja reprimida. Por ela também fala a liberdade que se expressa num contexto desenhado no estirador.

Propõe-se um secador de lágrimas. Um dispositivo entranhado que desalma as pessoas, congeminado a sequidão dos canais lacrimais. Como se fosse possível a castração das lágrimas, à qual correspondesse o esvaziamento da alma. As ideias opõem-se. Umas recolhem o secador de lágrimas como imoderada inovação em prol da espécie. Outras insurgem-se: não é a extinção das lágrimas que garante que elas sejam banidas no mais profundo das almas. O secador das lágrimas é um ardil. Secá-las-á no verniz exterior, deixando o caudal interior das pessoas inundado pelas lágrimas obturadas que foram vertidas para dentro. 

A tirania do grupo não acode à lucidez. Há pessoas que continuam a insultar a autonomia de cada um, sujeitando-os ao devir coletivo que se inscreve no mito categórico que, sendo mito, continua por provar. Oxalá deixassem as lágrimas escolher o seu caudal. Oxalá fossem dinamite os modos impostos que cerceiam o vale lavado das lágrimas. Esses ascetas que se fingem prediletos curadores do devir comum deviam ser aprisionados. Aprisionados no interior das suas masmorras mentais, lá, onde as lágrimas foram extintas do vocabulário e as almas se resumiram à minimalista expressão do irrisório. 

Os secadores de lágrimas deviam ser facultativos.   

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