27.5.21

Por dentro das muralhas não há cimento em espera

Brendan Perry, “The Devil and the Deep Blue Sea”, in https://www.youtube.com/watch?v=1k6VTWcWD2E

Não eram impertinentes as lágrimas que embargavas. Na amálgama de dias fortuitos, as juras eram retalhadas no mar voraz. Sobrava o mar. Das juras e das lágrimas não havia colheita que viesse ao conhecimento.

Mesmo assim, teimavas em ser a pele onde medrava a muralha.

Se antes do tempo não se desalinham as intenções, depois do tempo elas podem ser tardias. Não se sabe do paradeiro do momento certo. Desenganem-se os que renitem na latitude álgida que congemina o rumor da perfeição. Essa latitude não vem na bússola. Só na imaginação improfícua dos mendazes. Os socalcos preenchem-se com espetadores ávidos deste espetáculo venal. Querem aprender o que não devem ser, os espetadores. Mas tu insistes em ser a muralha que não se descompõe. Não és se não o tanto tu que nela coabita, e és essa fragilidade inteira.

Se ao menos te contassem poemas modestos. Se trouxessem o mar nas suas mãos e to dessem para guardares as lágrimas embargadas. Se houvesse quem desmentisse todas as juras por incapacidade de se cumprirem. Se a tua pele não estivesse tatuada por frases insuspeitas e, todavia, algozes. Se tu fosses o particípio passado de um oráculo sem paisagem para o futuro. Se o navio cumprisse os mares sem tripulação. Se ao menos não te desses aos proverbiais mastins que não se distraem. Mas é tudo ao contrário: continuas a ser a muralha escorreita, o exemplar, categórico representante da inaparente concórdia interior. Um fazedor de heurísticos lugares sem cor nos mapas. Um projeto adiado até deixar de haver tempo.

Sabe-se, com a voz perplexa do tempo sedimentado, que as muralhas são o pior fingimento de si próprias. O estado de negação, antes que repouse nas asas de uma borboleta toda uma gramática de desmentidos. Não és uma muralha por onde ninguém entra. Ou, se o és, será notado, por quem esteja observador, que o cimento que a mantém vagou antes do tempo. Deixando-te órfão no frete da tua dissimulação. 

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