The Hard Quartet, “Action for Military Boys” (live at WFUV), in https://www.youtube.com/watch?v=vsyt7u1-4us
Os rostos públicos são um saque de identidade, dizia, enquanto rodava o dedo indicador na aresta do copo. A identidade deixa de ser privativa, uma expropriação que, todavia, muitos não se importam de acautelar quando se dão à visibilidade pública. Dizia: detestava ter de esconder o rosto, vertê-lo na direção do chão para não me sentir acossado pelas pessoas que se cruzassem comigo se fosse uma personagem entregue ao conhecimento público; detestava ser interpelado na rua, fosse o motivo que fosse, dos bons à conta de elogios, ou dos maus à conta da acerba que me fosse contemplada. À medida que abanava o copo, observando o refluir lento da bebida, como se as ideias fossem centrifugadas no vascolejar da bebida contra o gelo, consagrava a invisibilidade. Quando saísse do bar e fosse para casa (ou para o próximo bar), não seria a noite a caucionar a invisibilidade. Não era um vulto errante, embrulhado num disfarce de roupas negras encimadas por um chapéu com largas abas que ocultassem o rosto. Todo ele era visibilidade, no compasso acertado das roupas claras que as noites tépidas de Verão pediam, sempre sem o adereço do chapéu. Uma voz interna subiu ao palco e sussurrou, contumaz: estás convencido de que és invisível porque já bebeste umas quantas bebidas, não estás em ti. A voz desmancha-prazeres continuou a saga: mergulhas no álcool para fazer de conta que és invisível. Acreditou que estava na hora de entrar no bar que se seguisse. Até lá, extraiu o rosto da sepultura voluntária em que o afundava sempre que saía à rua. Para confirmar se a voz gutural que invadira o pensamento tinha razão. Mas não estava lúcido. Não podia acertar o tira-teimas. Se fosse confirmado o diagnóstico da voz interior, ao menos tinha o que muitos ambicionavam e não alcançavam. Não era grande compensação. Mas era um frágil sinal de lucidez.
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