13.3.25

Nadar às cegas

Death Cab for Cutie, “Black Sun” (live on David Letterman), in https://www.youtube.com/watch?v=o9o8jYRAmaI

O que seria de nós se não houvesse placas nas estradas a indicar a direção das localidades, a toponímia nas ruas das cidades, a ciência da cartografia, se os satélites não adejassem sobre nós para que não nos percamos nas demandas? O que seria de nós se andássemos constantemente de olhos vendados?

Somos tiranizados pelos sentidos. Feitos de uma entrega voluntária aos sentidos que são a bússola que ajuda a dar sentido. Às vezes, diz-se: temos de encontrar um sentido para a vida. E não vamos atrás de placas indicativas, da sinalética que povoe uma orientação, nem possuímos um sofisticado software para desenredar as incógnitas que se esmagam contra o peito das dúvidas. Não temos mapas interiores que ajudam a desatar os nós das circunstâncias. E nunca perdemos nada, a não ser a oportunidade para voltar a cometer erros num tempo mais tardio.

A diligência dos mapas, o grosseiro imperativo dos roteiros para tudo e mais alguma coisa, a dependência de meticulosos planos – tudo o que aparentemente confere um sentido de organização das vidas joga-se num acaso quando apenas se confia no autojulgamento, na lucidez, ou na falta dela, que se combinam para às vezes conspirar contra nós, outras vezes para ajudar a desatar os nós existenciais. Nadamos às cegas, como os antepassados navegaram por estima, perpendiculares à costa para não perderem os azimutes. Nadamos às cegas, num labirinto desprovido de luz, por tentativa e erro, vagarosamente tateando as paredes, temerariamente avançando um pé de cada vez para evitar os passos em falso. Como se estivéssemos intencionalmente dotados de uma cegueira salvífica.

Desejamos que a cortina desça sobre o palco para se transfigurar num labirinto dedicado às sombras tutelares. Impõe-se a candidatura à rebeldia, a recusa das luzes que, de tão flamantes, corrompem o olhar com as cicatrizes que um mundo malparado apurou em forma de condenação. Até ser preferível mergulhar nas trevas que são o resgate da metamorfose forçada pelo mundo malparado. Esconjuramos esse mundo que se torna malparido ao nadar no escuro. 

Estamos a precisar de paradoxos para sentirmos que é possível um exílio por dentro do lugar onde estamos.

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