4.3.25

Vigília

Sigur Rós, “Fljotavik”, in https://www.youtube.com/watch?v=sW3LIMRh3C8

Corria depois do tempo para saber se a gramática herdada se prestava a um inventário demorado. A servidão insinua-se em gestos discretos, quase impercetíveis, empilhados num paradeiro que toma conta de muitos lugares. Entre os haveres despojados, a desesperança: parecia domado pela angústia que se fazia ao tempo como se fosse uma maré a crescer, imparável. Era tempo de travar a angústia e a desesperança.

Aos que protestam contra a colonização pela tremenda atualidade, retorquia que se somos presas do que nos amedronta temos um dever irrecusável de atalaia. Somos as vítimas prediletas dos predadores que se atiram à nossa vontade. Não podemos fazer concessões à desatenção para a vontade não ser colonizada por outros que dela se querem apoderar.

A vigília deve ser contínua. Nesse tempo contínuo, ao sono de uns corresponde a vigilância de outros. Ninguém quer ser vítima do acaso, ou condenado à irreparável decadência de quem se entregou à desatenção. Mal o arrependimento entre em cena, é sintoma dos acasos que poderiam não o ter sido se estivéssemos de vigilância. Temos de aprender com a experiência. Da contingência medra uma desconfiança metódica. Não é a desconfiança gratuita, como quem se sente acossado sem conseguir nomear os vultos opressores; é a desconfiança que se legitima nos socalcos da incerteza que tornam o devir tão fortuito. 

Acautelemos o modo de viver em que somos figurantes. Não interessa a posição em que subimos a palco. É a humildade profícua que converge para o papel de figurante. O que interessa é sermos o eu que de genuíno for possível – somos permeáveis ao contacto com os outros. Não nos deitemos à subjugação voluntária pela concessão à apatia. Sem um módico de vontade, ficamos à mercê das vontades outras que se congeminam. 

A vigília não é a oposição aos desacertos que parecem conspirar a nosso desfavor. É o salvo-conduto para guardarmos um lugar próprio do palco em que contracenamos. Conservemos a chave que franqueia a vigília, para não sermos meros vultos condenados a destroços sem serventia. Para não sermos os sujeitos passivos de uma servidão constante.

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