The Hard Quartet, “Lies”, in https://www.youtube.com/watch?v=pahCJlZuMgc
As mãos batem ao de leve, mas batem, como só as palavras conseguem bater. Quase sem dar conta, o pé-ante-pé que se insinua, dissimulado: quando é para dar conta, a invasão está consumada. Sem pré-aviso – mas quem acredita que as invasões devem obedecer a um aviso de receção, se nestes despreparos das almas não há código de conduta nem cavalheiros? E lá aterram eles, os pezinhos de lã, que entram sem bater à porta, a salto, como os salteadores. Não se sabe ao que vêm. Talvez notifiquem depois de materializada a agressão; tem de haver uma lógica para a agressão, por mais ilógica que seja. Talvez não apreciem a cor dos olhos. Ou a estatura. Ou as ideias. Ou talvez tenham ido aos arquivos para resgatar textos malditos que merecem punição ditada pelo desejo da maioria. Estes são crimes que não prescrevem. Nem que os textos subjacentes tenham sido expurgados, pois os diligentes censores têm meios de os extrair ao esquecimento. Nem que sejam textos entretanto renegados, que um bom censor (há-os, censores bons?) não transige com o arrependimento que pode ser apenas a colheita de um fingimento, oportunista. Os pezinhos de lã são um misterioso assomo de silêncio. Nem que o chão seja de madeira e a podridão semeie o ranger irremediável, os pezinhos de lã são como os prestidigitadores que conseguem proezas admiráveis, aquelas que deixam a audiência de queixo no chão. Os pezinhos de lã alcançam o mesmo sortilégio dos que passam pelos pingos da chuva sem se molharem. Quando aterram, findam o silêncio farsante e despejam toda a ira com uma voz tonitruante, que amedronta até vultos experimentados. As vítimas só sabem que são vítimas quando já o estão a ser. Em abono da civilidade, deviam inventar uma lei para proibir a venda de pezinhos de lã.
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