7.6.04

O mal dos outros é a nossa redenção

Navegava pela Internet, na rotina matinal de frequentar as páginas de jornais que me põem ao corrente do que se passa no mundo. Uma das secções é a dos jornais desportivos. Ontem, o Jogo publicava um dossier esclarecedor. Diria mesmo que era um dossier pedagógico, com a clara intenção de enfatizar como o futebol nacional é um paraíso. O título era bem revelador da intenção: “Portugal não é excepção: “Apitos Dourados” espalhados por toda a Europa. E tratava de desvelar os escândalos de arbitragem na República Checa, em Itália, na Bélgica, em Espanha, mesmo na Alemanha.

Apenas estranho que tenha passado tanto tempo sem que a tribo do futebol tenha reagido à acção de investigação judicial que buliu com um dos seus patriarcas. E que ameaça atirar para o lodaçal outra figuras gradas que têm passeado a sua ignomínia ao longo das últimas duas décadas, como se fossem figuras insuspeitas. Surpreende apenas a demora – ou nem tanto. Talvez não seja surpreendente, pois o hiato entre as detenções e interrogatórios e a publicação desta notícia pode representar uma manobra bem orquestrada para deixar assentar a poeira. Agora que as coisas estão mais calmas, é o momento ideal para começar a operação de branqueamento que prepara os cidadãos para mais do mesmo, para que tudo fique na mesma depois da ameaça de terramoto que abalou o meio. Quem sabe se a demissão dos directores da Polícia Judiciária responsáveis pelas investigações não seja um sinal revelador…

O episódio é sintomático da propensão para procurar no exterior casos de degradação para explicar – senão mesmo justificar – os males que varrem o país. É característico do nivelamento por baixo que percorre o país, como um comportamento congénito de que é difícil desprender. Quando há algo de mau que nos arruína, tranquilizamos a consciência se coisas idênticas também assolam outros países. E se se trata de países mais adiantados no estádio civilizacional, a aquietação dos espíritos nacionais é ainda mais profunda. Tentamos explicar os nossos males com os males dos outros, como se esta fosse a receita ideal para nos vermos livres desses males que exaurem energias. Pior ainda, tentamos justificar esses males com coisas idênticas que se passam em países que nos são próximos. Como quem diz, não estamos sozinhos nesses comportamentos censuráveis.

É lamentável esta tendência de ver nos males dos outros uma explicação para o mal que nos vai corroendo por dentro. É ainda mais preocupante que se tente justificar os nossos deslizes com os comportamentos alheios. Porque se trata de uma tábua de salvação, de um pretexto para lavar a face desses comportamentos ilícitos e imorais que nos vão enterrando, como sociedade, num lamaçal de onde é difícil encontrar uma saída. É por isto que se entende este afã de encontrar nos maus exemplos dos outros uma justificação para os nossos pecados. Como se esses males alheios fossem a desculpa para os pecadilhos éticos, para as ilegalidades que tantos recursos custam à economia nacional. Se existe nos outros países, porque não contemporizar no nosso?

E uma desdita bem conhecida. Procuramos sacudir a água do capote, afastar as nossas responsabilidades encontrando justificações em comportamentos alheios. E, com esta postura, o futuro há-de continuar adiado, na exacta medida da irresponsabilidade pessoal que pontua o dia a dia.

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