15.6.04

Mais sobre as eleições europeias

Nas poucas imagens que (felizmente) vi sobre o rescaldo das eleições para o Parlamento Europeu, apreciei o ar vitorioso de Ferro Rodrigues. Ele bem estava necessitado de uma retumbante vitória eleitoral, depois da travessia do deserto motivada por sucessivos tiros no pé. Na face de Ferro Rodrigues notava-se um contraste de sentimentos: orgulho pela “vitória histórica” (como se a abstenção de quase dois terços não contasse para nada…), mas também cansaço, quem sabe se devido à descompressão por uma vitória que tinha todas as condições para ocorrer mas que, com este PS, não se podia dar como certa.

Nas declarações produzidas ao país, as “palavras sábias” do líder do PS tiveram como verdadeiro destinatário o primeiro-ministro. Disse que estas eleições tinham sido um sinal bem claro do eleitorado. Um sinal de que o governo deve equacionar as suas políticas e mudá-las.

Antes de avançar para as propostas (sem conteúdo) do líder socialista, apenas uma nota de perplexidade. Será verdade que Ferro Rodrigues ambiciona ser o próximo primeiro-ministro, na habitual rotação entre os partidos do bloco central? Se essa é a sua ambição, como compreender que esteja tão preocupado com a sobrevivência política do actual primeiro-ministro (enquanto detentor do cargo)? Se o timoneiro dos socialistas avisa o primeiro-ministro que deve mudar as suas políticas para não voltar a ser penalizado pelos eleitores, adivinha-se o que sucederá a Ferro Rodrigues se Durão Barroso fizer uma inflexão que vá ao encontro das supostas preferências dos eleitores. Nessa altura, estes voltarão a votar no PSD (com ou sem coligação) e lá vão as ambições de Ferro Rodrigues à vida. Estranha sina a deste político, que não pára de surpreender pela inabilidade!

Inebriado pelos louros da vitória, o secretário-geral do PS reclama do governo uma mudança de política económica e das “políticas sociais”. Como intróito: será legítimo fazer esta inferência? Afinal, estas eleições tinham como objectivo eleger deputados para o Parlamento Europeu. Como aceitar que destas eleições se tirem ilações sobre penalizações ao governo em funções? Será honesto concluir que o comportamento dos eleitores (todos? Uma maioria? Que maioria?) deve ser interpretado como uma penalização ao governo? E, já agora, descontando a conveniência de tal interpretação para um partido carente de se reencontrar consigo mesmo (e com as vitórias eleitorais), não ficará a sua responsabilidade atingida por uma postura anti-pedagógica, ao confundir o eleitorado por tirar ilações internas de eleições europeias?

Quando Ferro Rodrigues exige uma mudança de política económica, estará a sugerir que se abandone a política de rigor orçamental? Estará a reclamar a necessidade de voltar aos tempos de indisciplina orçamental, copiando o mau exemplo da França e da Alemanha? O perigoso desta proposta é o de regressar a uma política orçamental irresponsável, que adia a resolução dos problemas para o futuro, sem computar os efeitos perversos de longo prazo da acumulação de défices orçamentais e de endividamento público.

Por outro lado, o líder do PS reivindica uma mudança nas “políticas sociais”. Como propostas concretas não foram adiantadas, fico sem saber o que é desejado pelos socialistas. Serão políticas sociais ao estilo das postas em prática pelo seu camarada Schröder, chanceler alemão? Aí Ferro Rodrigues deveria ser cauteloso para analisar toda a envolvente, e não apenas o que mais lhe convém, enviesando a mensagem e enganando os eleitores desprevenidos. Porque essas “políticas sociais” que os seus camaradas alemães (coma ajuda dos inefáveis verdes) têm praticado foram, também elas, amplamente derrotadas nas urnas no passado domingo.

A crer na lógica utilizada por Ferro Rodrigues (a penalização do governo de Durão Barroso), esta é a única conclusão que se pode retirar dos resultados das eleições na Alemanha. O que vem contra as suas propostas de “políticas sociais” mais generosas. Com outra agravante: a riqueza da Alemanha, bem superior à de Portugal, pode dar-se ao luxo de sustentar tais “políticas sociais” activas. Tal não será o caso de Portugal – sob pena de nos afundarmos ainda mais na comparação com os nossos parceiros da União Europeia.

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