4.6.04

Venezuela: um aprendiz de ditador e uma sociedade civil exemplar

Vi há pouco, num noticiário, que o colégio eleitoral da Venezuela aceitou uma petição para que se realize um referendo para caucionar ou reprovar a presidência de Hugo Chavez. Depois de muitas tropelias, de muitos actos de boicote protagonizados pelas forças policiais ao serviço deste aprendiz de ditador, parece que as regras da democracia teimam em funcionar num país que podia ser a próxima Cuba se apenas vingasse a vontade de Chavez.

Aceito de bom grado que as esquerdas bem pensantes destilem todo o seu ódio contra os regimes e as personalidades que não dançam ao som da mesma música. Que se insurjam contra os Estados Unidos, contra Israel, contra a Itália do magnata Bersluconi, agora também contra a Rússia de Putin numa perigosa deriva direitista. O que me intriga é a ausência de critério que liberta da crítica outros países onde a democracia não existe, onde não há eleições livres e plurais. Não consigo compreender a lógica de “dois pesos, duas medidas”, quando há outros países que têm lideranças autocráticas onde a tolerância foi banida, o culto de personalidade emerge, os opositores são impiedosamente perseguidos, os direitos, liberdades e garantias (em especial o direito a uma opinião livre) são cerceados. A Venezuela é um paradigma da actuação enviesada das esquerdas bem pensantes.

E, no entanto, pode-se lembrar que Chavez foi eleito por uma maioria de venezuelanos. É verdade. Logo, assenta-lhe legitimidade democrática. Mas não é menos verdadeiro que, após ter sido empossado, têm-se sucedido os atentados contra as regras democráticas que conferem aos partidos da oposição uma voz própria. Por vontade de Chavez, estes partidos já tinham sido silenciados. Por vontade de Chavez, só o seu partido existiria, num paraíso semelhante ao vivido em Cuba.

Foi Chavez que protagonizou um golpe constitucional, aprovando uma nova Constituição que limitou os direitos de participação política dos partidos da oposição. Esta golpada constitucional seria a etapa de transição para a “democracia perfeita” – aquela que não permitisse a existência de movimentos de oposição à inteligência iluminada de Chavez. Na sua pose patética, com tiques próprios dos ditadorzecos que esmeram o culto da personalidade e difundem, com oportunismo bem medido, a cartilha estafada do marxismo-leninismo na sua aplicação regional ao cosmos latino-americano, Chavez teima em espezinhar as vozes dos que ousam enfrentá-lo. É a antítese da tolerância que é tão propalada (mas pouco praticada) pelas esquerdas bem pensantes.

Diminuída a margem de actuação dos partidos políticos num parlamento fantoche, restam as ruas. As manifestações (espontâneas ou organizadas) que tantas vezes têm terminado em violência. Uma voz que fala bem alto, a voz de uma parte substancial da sociedade civil que não se revê nos métodos totalitários do aprendiz de ditador. Esta é a grande lição que a Venezuela nos lega. A lição de uma sociedade civil activa, participativa, que se recusa a calar a sua voz contra os atentados às liberdades que Chavez teima em perpetrar.

Neste sentido, os ventos vindos de Cuba são exemplares. São o estigma que os venezuelanos querem evitar, para não se sentirem asfixiados por um regime ditatorial que nega as liberdades individuais e privilegia as benesses de uma casta que se diz governar em nome do povo. Eis porque é bom que permaneçam, isoladas como excrescências, as Cubas deste mundo. Espelhos dos maus exemplos que devem ser evitados.

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