Em dia de Portugal, falar sobre a bandeira nacional. A Fundação Luís Figo e o Continente espalharam pelos hipermercados desta empresa o que convencionaram chamar “Pack Portugal”: uma embalagem contendo a bandeira nacional e um cachecol de apoio à “selecção das quinas”. Tudo pelo preço simbólico de um euro. Para acentuar o simbolismo da iniciativa, com o propósito de reconciliar os portugueses com um símbolo representativo da nacionalidade – a sua bandeira.
Entretanto, o treinador da selecção nacional ajudou à festa que se começou a instalar. No início do estágio dos bravos guerreiros que hão-de ser glorificados ou crucificados (sem lugar a meio termo), pediu o apoio dos portugueses. Que materializassem esse apoio através de uma bandeira em cada janela, em cada automóvel.
O apelo de Scolari tocou fundo em muitos cidadãos. Pelo que me é dado a ver ao circular pelas ruas da cidade, são inúmeras as casas que desfraldam orgulhosamente a bandeira nacional, sinalizando o seu apoio à “equipa de todos nós”, revelando um fervor patriótico que andava esquecido numa letargia bem própria do torpor que se apoderou do país. Os taxistas (esse paradigma do bom gosto) dão o mote aos restantes automobilistas. É ver os táxis que calcorreiam as ruas da cidade ostentando a bandeira verde e vermelha na haste de um pequeno mastro.
Este revigoramento nacionalista é bem o espelho do país de exageros que somos. Como passamos, com um simples estalar dos dedos, do oito para o oitenta. Como somos um país amorfo, descrente nas suas possibilidades, cáustico para connosco mesmos, e subitamente damos uma volta de 180 graus para exaltar as virtudes do sentir português. Já para não mencionar as razões absurdas que convocam este nacionalismo – uma vez mais o futebol, como se fosse o futebol o detonador da identidade nacional.
Em bom rigor, não creio que haja lugar a grandes ilações a propósito do que se está a passar. Já vi escrito algures que este movimento espontâneo dos portugueses é comovente, sinónimo de um sentir positivo que pode retirar o país das ruas da amargura por onde tem andado mergulhado. Como também já vi escritas críticas pelo nacionalismo bacoco em que o movimento popular se traduz. Se é verdade que o acontecimento não me provoca nenhum laço de identificação nacional, se é verdadeiro também que não me agrada a coisa pelo seu lado “estético”, o mais importante é não retirar do episódio grandes consequências.
O acontecimento deve ser tratado com indiferença. Por um lado, porque o que se está a enaltecer é um mero símbolo da nacionalidade, uma bandeira que nos tempos que correm já não assume a relevância identitária de outrora. É um símbolo, não mais do que isso. Com as alterações que a sociedade vem sofrendo, o papel dos símbolos tem-se esvaziado. Um símbolo não tem a conotação arreigada de tempos idos, não convoca as mesmas sensações de identificação, de luta para defender os valores representados por esses símbolo. Não estou a imaginar senão uma ínfima percentagem dos cidadãos que hasteiam a bandeira nas suas janelas a dar a vida se, por absurda hipótese, “a nação” estivesse em causa.
Por outro lado, como país de exageros que somos, a bandeira está por agora imóvel, exibindo um cauteloso orgulho. Espera-se que os bravos da equipa nacional se comportem decentemente – o que, pelas expectativas geradas, significa não menos do que vencer o campeonato. Como país de exageros que somos, antecipo um de dois cenários. Ou as bandeiras são retiradas, envergonhadas, devido à má campanha da equipa nacional, com o coro de protestos que se seguirá e a ferida mortal na auto-estima nacional. Ou elas deixarão de estar estáticas e serão desfraldadas ao vento em mais uma comemoração embriagada de um feito nacional proporcionado por essa coisa tão relevante para o destino de Portugal chamada futebol.
Sem comentários:
Enviar um comentário