21.11.13

A má semente

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Houve uma vez, em leituras aleatórias, que esbarrou na lei de Gresham: “a má moeda expulsa a boa moeda”. Em moeda não sendo – pois sobrevivia em monástica provisão – não coube em si de perplexidade em notando a analogia com o seu testemunho interiorizado. Em não sendo moeda, sabia-se má semente. Os demais atiravam-lhe o opróbrio da viuvez das almas, pois era voz corrente que onde assentava demão tudo se decapava mercê da sua corrosiva retórica. Seria ele a má semente que expulsava a boa semente?
Era alma vertida em sua própria solidão. Atirado para um canto onde se arrumavam os proscritos, os desfigurados da normalidade. Dizia-se das más sementes que contaminavam as boas. Os bons cortavam o mal pela raiz, não fossem as daninhas sementes ungir as terras quase todas e poucas das boas sementes sobrassem para amostra. Os faróis da beatitude, com frontispícios em narrativas acomodadas e em filmes venturosos, não podiam admitir tamanha heresia. O lugar onde viviam tinha de ser exemplar. Só paradigmáticas ações, daquelas que se ensinam nas escolas quando os mestres atalham pela diligente moral.
Às más sementes ficavam reservadas as penumbras que as boas sementes não ousavam espreitar, não viessem de lá infetadas com sedimentos amaldiçoados da insistente perfídia. Como má semente, jamais se intimidou. Nunca quis que alguém fosse promotor da sua extração às trevas. Nunca quis a luminescência, temendo, ele próprio, que a natureza de má semente fosse corrompida pelos ágeis anjinhos que, de asinhas bem compostas, untavam a atmosfera com as pétalas perfumadas da indulgência.
Aprendeu a escapulir-se na noite mais escura, por entre ruelas acanhadas, a coberto das vivalmas que pudessem aparecer. Aprendeu que essas ruelas peçonhentas só eram visitadas, pela madrugada avançada, por outras más sementes. Conviviam todas em silêncio. Não socializavam, pois a intuição ensinara-lhes que à sua socialização podiam sobejar intenções conspirativas assim entendidas pelas boas sementes assombradas pela perene suspeição. E, todavia, não eram as más sementes que aspergiam a traição, que perfecionavam os instintos maldosos (a coberto do eufemismo do “instinto de sobrevivência”).
Mal por mal, já sobejavam os limites de si que eram maiores do que as medidas onde cabia.

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