Não gostava que lhe chamassem
cacique. Ele só praticava generosidade. Espalhando sinecuras pelos afilhados,
ou movendo influências para que outras prebendas estacionassem nas “pessoas
certas”. Admitia que tinha tecido uma teia de influências. Admitia que os
favores de hoje tinham paga futura. Não via nisso mal nenhum. Se assim era em
todos os lugares, por aqui e no estrangeiro, por que haveria de ser ele diferente?
Pragmático como sempre soubera ser, não se emocionava com enlevos líricos. Os
poetas eram os outros. Ele escolheu a causa pública (e, pelo caminho, os
negócios), onde não entram estas sensibilidades.
Um dia, por interposta pessoa, chegou
pedido para outro apadrinhamento. Quis saber a linhagem do proposto. Estudou o dossier pessoal do candidato, que nos
últimos tempos tinha subido a exigência mercê de um punhado de deceções
orquestradas por gente que nunca devia ter sido apadrinhada. O proposto parecia
insuspeito de credenciais. Agora que os saberes universitários estavam
democratizados, era impensável alguém entrar na roda das sinecuras sem o lastro
das habilitações mínimas. Chamou o proposto para um almoço. Ficou
impressionado. O rapaz nidificava em experiência, ele que acabava de despir os
cueiros da universidade. Era bem falante, assertivo, com ideias arrumadas,
tinha uma aura encantatória. Eis porque foi logo com recomendação para cargo
importante: estava diante do padrinho e nem um laivo de nervosismo transpirava.
O rapaz entrou na roda viva dos
cargos. Foi subindo, uma meteórica ascensão. Dos afilhados todos, nos que o
cacique mantinha rédea, este era o mais promissor. Depressa entrou no altar das
certezas. Quando começou a ser demandado para apadrinhar outras promessas que
ambicionavam amesendar com os poderosos, percebeu que essa era a sua
emancipação. Como o poder detido em suas mãos era uma fatia grossa, com atuação
que não dependia de mais ninguém, começou a ter os tiques dos pequenos sobas. E
começou a mover-se nos corredores do poder, disputando o jogo do poder com os
peões que lançava a jogo.
Um dia, dois afilhados reclamavam sua
uma prebenda qualquer. Um deles vinha com selo do patriarca. O outro
apresentava-se com caução do arrivista. O patriarca telefonou para o arrivista.
Em tom paternal, aconselhou o arrivista a prescindir do seu afilhado para
aquele cargo. O arrivista não se demoveu. Desafiou o velho patriarca a ser ele
a desistir da contenda. Este, já com voz iracunda, tentou desfeitear o outrora
afilhado (já percebera, pelo tom desafiante, que os laços se tinham adelgaçado).
Ainda invocou o dever de lealdade. Ainda foi ao trânsito da memória, reavivando
a do arrivista: “se não fosse por mim, tu
não tinhas sido ninguém.” Este, fleumático e triunfal, acabou a conversa: “não me trate por tu. Respeite-me pelo que
sou agora. Se sou o que sou, foi pelo caminho que fiz. O senhor só me abriu uma
porta, uma pequena porta. O resto, fiz eu. Mereço respeito pelas proezas
minhas.”
No entardecer do dia seguinte, o arrivista entrava, pesaroso e muito comovido, no velório do (outrora seu) padrinho.
No entardecer do dia seguinte, o arrivista entrava, pesaroso e muito comovido, no velório do (outrora seu) padrinho.
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