In http://www.abakanowicz.art.pl/recent/img/agora3ok.jpg
Estilhaçamos os espelhos que são
cerco aflitivo. Despedaçamos os espelhos em pequenos vestígios. Se preciso for,
esmagamos o vidro restante até apenas sobrar uma poeira que ninguém saberá se é
feita de vidro ou de outra matéria. O lado contrário do sol, onde subsistem
penumbras duradouras, é a matéria vegetativa. Onde já não se encontra o
oxigénio imprescindível.
Olharíamos para trás, ensaiaríamos o
resgate de reminiscências. Mas só se nos esquecêssemos que agora é que importa.
Agora, com as cambiantes voláteis, com as cores que emprestam sentido estético
aos atos e às palavras, com as outras, diferentes, que se embaciam e semeiam
melancolia no olhar. Não importa o dantes, nem o amanhã que nunca sabemos se
vem a ser nosso. E, todavia, às vezes insultamos o agora que é nossa certeza superficial
– mas a única que somos capazes de emoldurar.
Os exércitos promitentes de radiosos
futuros marcham lá fora. As botas cardadas, audíveis, entoam o passo compassado
que é parecido com uma marcha militar. O céu noturno vem pintado por estrepitoso,
colorido fogo de artifício. Os rostos que saem à rua são sorridentes,
encantados com a promessa de futuro que gurus certos encomendaram a notários.
Sobrepondo-se à marcha militar, uma orquestra de metais oferece partitura para
deleite dos ouvintes. As pessoas dão-se as mãos, mesmo as que não se conhecem.
Amesendam nas esplanadas aquecidas pelos itinerantes aquecedores, enquanto a
festa enfeita a noite larga, que não deixa de ser larga por ser invernalmente
fria. Gente responsável, os rostos conhecidos por tanto se darem a ver nas
pantalhas da televisão, discursam oratórias convincentes. Ajuramentam as loas
do promitente futuro sem mácula. A gente anónima, embebedada por tanta folia, sente-se
penhorada pela esperança assertiva no amanhã que espreita na esquina de onde se
oferecem os dias vindouros.
Mas há resistentes. Gente desconfiada
da incógnita aferroada no tempo desconhecido. Lá, na aberta ágora onde está o
ajuntamento de gente exultante, distinguem-se três, quatro, cinco rostos
fechados, omissos sorrisos, olhares afivelados num horizonte perdido. E,
todavia, são os maiores otimistas. Tutelam o agora. Pois sabem que agora é a
única promessa que as mãos podem medir. A falta de memória trata de obnubilar
as luas fartas que se prometeram num tempo em que o porvir foi tratado num
pretérito qualquer.
Ao menos, agora é revelação
instantânea. Não aceita astúcias. É o espartano imperativo que não desengana.
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