22.11.13

Agora

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Estilhaçamos os espelhos que são cerco aflitivo. Despedaçamos os espelhos em pequenos vestígios. Se preciso for, esmagamos o vidro restante até apenas sobrar uma poeira que ninguém saberá se é feita de vidro ou de outra matéria. O lado contrário do sol, onde subsistem penumbras duradouras, é a matéria vegetativa. Onde já não se encontra o oxigénio imprescindível.
Olharíamos para trás, ensaiaríamos o resgate de reminiscências. Mas só se nos esquecêssemos que agora é que importa. Agora, com as cambiantes voláteis, com as cores que emprestam sentido estético aos atos e às palavras, com as outras, diferentes, que se embaciam e semeiam melancolia no olhar. Não importa o dantes, nem o amanhã que nunca sabemos se vem a ser nosso. E, todavia, às vezes insultamos o agora que é nossa certeza superficial – mas a única que somos capazes de emoldurar.
Os exércitos promitentes de radiosos futuros marcham lá fora. As botas cardadas, audíveis, entoam o passo compassado que é parecido com uma marcha militar. O céu noturno vem pintado por estrepitoso, colorido fogo de artifício. Os rostos que saem à rua são sorridentes, encantados com a promessa de futuro que gurus certos encomendaram a notários. Sobrepondo-se à marcha militar, uma orquestra de metais oferece partitura para deleite dos ouvintes. As pessoas dão-se as mãos, mesmo as que não se conhecem. Amesendam nas esplanadas aquecidas pelos itinerantes aquecedores, enquanto a festa enfeita a noite larga, que não deixa de ser larga por ser invernalmente fria. Gente responsável, os rostos conhecidos por tanto se darem a ver nas pantalhas da televisão, discursam oratórias convincentes. Ajuramentam as loas do promitente futuro sem mácula. A gente anónima, embebedada por tanta folia, sente-se penhorada pela esperança assertiva no amanhã que espreita na esquina de onde se oferecem os dias vindouros.
Mas há resistentes. Gente desconfiada da incógnita aferroada no tempo desconhecido. Lá, na aberta ágora onde está o ajuntamento de gente exultante, distinguem-se três, quatro, cinco rostos fechados, omissos sorrisos, olhares afivelados num horizonte perdido. E, todavia, são os maiores otimistas. Tutelam o agora. Pois sabem que agora é a única promessa que as mãos podem medir. A falta de memória trata de obnubilar as luas fartas que se prometeram num tempo em que o porvir foi tratado num pretérito qualquer.
Ao menos, agora é revelação instantânea. Não aceita astúcias. É o espartano imperativo que não desengana.

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