In http://www.ubadiving.com/images/underwater.jpg
Por dentro de um pesadelo: que estava
por dentro de água. Um mar qualquer, para onde o corpo atado tinha sido atirado
depois do julgamento e condenação sumária. O corpo contorcia-se à medida que as
bainhas se retorciam, descendo na vertical à procura da fundura a que os olhos
aterrorizados não conseguiam ver fim. Lutava contra os açaimes que embargavam
os movimentos. Valia-lhe o treino de apneia que fora feito algures no passado –
já nem se lembrava a que propósito.
Conseguiu inclinar os pés no sentido
contrário ao da verticalidade que o afundava, travando a velocidade do
mergulho. Soltou um braço, o esquerdo, o menos destro. Que, perante a apoplexia
anunciada, cuidou de ser ainda mais destro do que o braço mais capaz que
permanecia aprisionado. Esbracejando o mais que podia, procurando os nós que
eram a sua atadura a meio caminho de ser fatal, o braço sem peias descobriu uma
fenda na camisa-de-forças. Rasgou-a, já a profundidade era tanta que mal
conseguia espreitar o céu claro onde julgava ser o teto da água. Calculou o
tempo em apneia. À míngua de poder estimar a profundidade a que já fora, não
sabia se tinha pulmões que chegassem para romper à superfície.
Estava a ser precipitado na andadura.
Primeiro, que tratasse de libertar os freios que atavam o corpo. Já não faltava
muito e os pés vigorosamente inclinados para cima continuavam a travar a
descida. A água já estava gelada – e sabia que a profundidade podia ser
excessiva para fugir da sepultura que os verdugos tinham arranjado. A capacidade
para não respirar começava a extinguir-se. Conseguiu, enfim, alcançar a
liberdade do corpo. O que se seguia era a perícia de nadador. Tinha de convocar
a forma perdida, a forma que houvera quando na juventude fora nadador exímio.
Podia ser que a emergência tratasse de recuperar a forma perdida. Não sabia se
era a perda de lucidez, por causa do muito tempo à míngua de oxigénio, mas
parecia um torpedo a furar o mar até à superfície. Já discernia a claridade a
espreitar no teto da água e a respiração capitulou. Pareceu ver uma mão
feminina, terna e suave, a meter-se dentro de água, como se fosse uma boia
salva-vidas. Era uma sereia que escapara à vigilância dos algozes que queriam
certificado da sua morte. A sereia trouxe-o à superfície, nas costas dos
piratas malditos.
Acordou do pesadelo. Pois não há
sereias, nem ele sabia ter cometido crimes que merecessem julgamento sumário e
punição tão severa. Acordou imerso num sobressalto. A apneia parecia ter
acontecido. Aquela alvorada era como se fosse um segundo fôlego. Sem, contudo, ter
notado a perda do primeiro fôlego.
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