5.11.13

Segundo fôlego

In http://www.ubadiving.com/images/underwater.jpg
Por dentro de um pesadelo: que estava por dentro de água. Um mar qualquer, para onde o corpo atado tinha sido atirado depois do julgamento e condenação sumária. O corpo contorcia-se à medida que as bainhas se retorciam, descendo na vertical à procura da fundura a que os olhos aterrorizados não conseguiam ver fim. Lutava contra os açaimes que embargavam os movimentos. Valia-lhe o treino de apneia que fora feito algures no passado – já nem se lembrava a que propósito.
Conseguiu inclinar os pés no sentido contrário ao da verticalidade que o afundava, travando a velocidade do mergulho. Soltou um braço, o esquerdo, o menos destro. Que, perante a apoplexia anunciada, cuidou de ser ainda mais destro do que o braço mais capaz que permanecia aprisionado. Esbracejando o mais que podia, procurando os nós que eram a sua atadura a meio caminho de ser fatal, o braço sem peias descobriu uma fenda na camisa-de-forças. Rasgou-a, já a profundidade era tanta que mal conseguia espreitar o céu claro onde julgava ser o teto da água. Calculou o tempo em apneia. À míngua de poder estimar a profundidade a que já fora, não sabia se tinha pulmões que chegassem para romper à superfície.
Estava a ser precipitado na andadura. Primeiro, que tratasse de libertar os freios que atavam o corpo. Já não faltava muito e os pés vigorosamente inclinados para cima continuavam a travar a descida. A água já estava gelada – e sabia que a profundidade podia ser excessiva para fugir da sepultura que os verdugos tinham arranjado. A capacidade para não respirar começava a extinguir-se. Conseguiu, enfim, alcançar a liberdade do corpo. O que se seguia era a perícia de nadador. Tinha de convocar a forma perdida, a forma que houvera quando na juventude fora nadador exímio. Podia ser que a emergência tratasse de recuperar a forma perdida. Não sabia se era a perda de lucidez, por causa do muito tempo à míngua de oxigénio, mas parecia um torpedo a furar o mar até à superfície. Já discernia a claridade a espreitar no teto da água e a respiração capitulou. Pareceu ver uma mão feminina, terna e suave, a meter-se dentro de água, como se fosse uma boia salva-vidas. Era uma sereia que escapara à vigilância dos algozes que queriam certificado da sua morte. A sereia trouxe-o à superfície, nas costas dos piratas malditos.
Acordou do pesadelo. Pois não há sereias, nem ele sabia ter cometido crimes que merecessem julgamento sumário e punição tão severa. Acordou imerso num sobressalto. A apneia parecia ter acontecido. Aquela alvorada era como se fosse um segundo fôlego. Sem, contudo, ter notado a perda do primeiro fôlego.

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