In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-X8xG7BGFXodjTdWS72PDl0j8UCMb4HOOkb2lb8r1W_oB5cGtTFFNiXs9kvijJj4RihVaMFVFaC1FqPU13tNERuODZFRv36hu3TvaJLYB7DYllSNbR7KIThJSNuzZ0ArOfzNW/s320/gato+vadio.bmp
Corria riscos. De ser atropelado por
um carro destravado, a meio de uma correria também destravada de um lado para o
outro da rua. De ser apanhado pelos homens do canil, que tinham uma rede com
malha apertada e uma manha caçadora que assustava os companheiros. De ser
envenenado pela fome, que um gato de rua tem de deitar o dente ao primeiro
mantimento que estiver à mão de semear. De ser apanhado por uns galfarros
estouvados, e sabe-se lá que malfeitorias estariam dispostos a praticar. De dormir
ao relento em dias de invernia cingida, com o frio a espalhar doença pelos
pulmões. De lamber as feridas em combate, depois de uma luta com um gato outro
pela posse do território reivindicado.
Eram riscos excessivos. A vadiagem
trazia este preço atrelado. Mas não era vadio quem queria naquela comunidade
onde a convivência gatil era pacífica, interessadamente pacífica. O espaço
livre e o alimento que umas velhinhas generosas depositavam sem faltar um dia
que fosse adulteravam a natureza da espécie. Aprenderam a serem comunidade. Eram
todos como os palhaços feios da companhia circense: ninguém os queria para
companhia. Sobrava o fado de serem vadios até deixarem de serem vivalma. Alguns
sussurravam o sonho, pastoreado durante o sono, de serem adotados por uma
família carente. Eram os mais tresmalhados. Não os entendia. Como podiam trocar
o ar livre, a liberdade do espaço aberto, pelo espartilho de um lar?
Ele não queria. Preferia o torniquete
dos riscos a ser refém de um lar claustrofóbico. Desdenhava dos pachorrentos da
espécie que espreguiçavam à janela dos apartamentos enquanto retesavam o corpo
no sol filtrado pelas vidraças. Como podiam esses gatos ser tão poltrões? Como
podiam atraiçoar a natureza da espécie a troco de uma cama lavada, alimento
sensaborão e sempre igual, ausência de pulgas e vacinas em ordem?
Tinha orgulho na sua vadia condição.
Ninguém lhe deitava mão. Ninguém o enclausurava na contristada maneira de
passar o tempo sempre igual. Não trocava dez anos de entediante refastelo por
um único ano da vida que sabia ser.
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