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Outra vez o avesso a virar-se ao
contrário. Para tudo ficar à mostra, como se fosse possível tirar todo o
património de dentro e essa genética se expusesse à observação de quem se
interesse. A começar pelos olhos próprios, que também saltam das órbitas que os
acolhem para se refugiarem no necessário distanciamento quando demandam pela
natureza interior.
A empreitada não é menor. E a
empreitada é árdua, em sendo dolorosa a extração do olhar às raízes que o
mantêm, para depois se desprender como se os olhos deixassem de pertencer a quem
são. Mas há dores necessárias. Dores que é preciso passar para depois acostar a
um Rubicão qualquer. Nem que o cais onde o olhar aporta seja um cais imundo,
sombrio, acanhado, onde as pessoas que por lá transitam são boçais e rudes, com
a severidade desembainhada logo que sentem o odor a desconfiança. Ou que o cais
seja açambarcado por gestos de bondade, mesmo quando a bondade se esconde nas
alcáçovas da indiferença e todos os que são transientes deste lugar sejam
desconhecidos.
O olhar saído de si, deitado num
refrigério que é o exterior de onde foi extraído, começa a ler o que é
protagonismo de si mesmo. Persegue as palavras alcançadas, interroga-se por que
outras que deviam ter sido ditas ficaram sitiadas pelo silêncio. O olhar
devolvido ao exterior de si mede a distância do corpo seu, sente a febre do
pensamento que não deixa de latejar mesmo enquanto devia estar preservado pelo
sono medicinal. O olhar sente que a tempestade cerebral, perene como é, é maleita
em vez de ser dom. Se o olhar, mesmo em exterior deambulação, conseguisse tomar
contacto com uma qualquer espiritualidade, ensaiava preces para que o
pensamento frenético arrefecesse.
O olhar que o vê de fora fica cansado
da função. Por vezes sente orgulho nas imagens que passam diante da tela.
Outras vezes envergonha-se, intimida-se com as pedras pontiagudas que foram seu
rasto. O olhar exterior não tem razões para se entristecer depois da demorada
função. Não resiste à suicidária pulsão, talvez inata à condição da espécie, de
sobrepor o valor das veredas malsãs ao das empreitadas soberbas.
Quando regressa a si, extenuado, o
olhar deita-se num sono ajuizado.
1 comentário:
É possível que em momentos específicos as questões que se impõem ao pensamento propiciem uma maior afinidade com algo que lemos, escutamos ou observamos.
Ler o texto “o avesso do avesso” (já lá vão algumas semanas) ocorreu numa ocasião em que uma digressão pelos bastidores da chamada realidade se declarou inadiável. Aquela realidade coberta por uma enfadonha “normalidade” que repousa no solo que fere os passos que têm que ser dados.
Há palavras que trespassam barreiras impensáveis. Tocam o avesso de quem as lê.
O que fica não são as palavras. Essas ficam todas no lugar onde foram lidas. O que fica são excertos de imagens latentes, pensamentos desfocados que fazem suspender a visão do mundo, a cor da memória, a textura dos sentidos . O "eu" desagrega-se das palavras. Abalado, reúne todas as forças para tentar trazer à luz as imagens ainda por revelar. É nesse instante que verifica que existem revelações que precisam de outro olhar. Não do olhar que ficou embalsamado pela sombra lenta das palavras, fugidias como reflexos na água, lacradas como um segredo sobre um segredo ...
"Outra vez o avesso a virar-se ao contrário"
(...)
"O olhar saído de si (...)"
Um olhar que segura o vento para que nenhuma imagem se apresente distorcida. Um olhar que se expõe ao calor de uma chama fria.
"Mas há dores necessárias"
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