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O dia era grave. Os deputados estavam
circunspetos. O orçamento de Estado para o ano que vem ia a votos. A batalha
política – melhor, os truques de retórica – estava a rubro. A nação dependia da
aprovação do orçamento. Como era costume, os do governo viravam o orçamento do
avesso e não encontravam o menor defeito. Passando para o lado das oposições, é
como se nunca pudesse ter sido concebido orçamento tão mau.
Vieram os debates no hemiciclo. Aos
observadores já nem importava a fraca qualidade da discussão, o tom desbragado,
as exaltações pelo que quer que fosse, a linguagem de caserna, os atropelos à
gramática e à sintaxe. O parlamento é a imagem de quem o elegeu. Os
observadores, sabendo que o orçamento era indispensável para a reputação
externa da nação, queriam que o orçamento tivesse a chancela de uma retumbante
maioria do parlamento. Alguns que manobravam nos subterrâneos do poder, e que
tinham uma copiosa agenda de contactos, andaram de gabinete em gabinete a
tentar convencer os deputados do maior partido da oposição a caucionarem o
orçamento de Estado. Os partidos do governo fizeram pungente apelo de
concórdia, em nome da pátria benquista e do sentido institucional. Os discursos
repetiam-se. Os reptos para a concordância, também. E as recusas a pés juntos,
que aquele não era um orçamento que merecesse um pingo de confiança.
Num volte-face inesperado, todos os
partidos da oposição proclamaram o voto favorável ao orçamento. Os deputados da
coligação e os membros do governo sentados de frente para o hemiciclo estavam
perplexos. Uns atónitos, outros lívidos, outros ainda telefonando sabe-se lá
para quem perguntando se o que tinham ouvido era o que tinham ouvido. Depois de
tanta faca afiada, de tanto ultraje que não quadrava com o discurso
parlamentar, de tanta irredutibilidade aos apelos de concórdia, todos os
partidos da oposição, moderados e radicais, selaram o compromisso que lhes fora
pedido. Um dos deputados anunciou a cedência. E exortou os da maioria: “agora façam o que vos compete”.
Os deputados da maioria não tardaram
a desempenhar o seu papel. O papel de oposição à oposição. Podia lá o orçamento
deles merecer o beneplácito dos partidos da oposição?! Não demoraram a retirar
o apoio ao orçamento do governo de que eram muleta. O próprio governo renegou o
seu orçamento. Foi a vez de os deputados das oposições ficarem sem pingo de
sangue. As pateadas sobrepunham-se a qualquer tentativa de oratória. As
pateadas vinham de todos os quadrantes. Os da oposição protestavam contra a emboscada
dos deputados apoiantes do governo. Acusavam-nos de trair a harmonia que tanto
pediram. E de traírem a nação. Um deputado da maioria ripostava: “nós fomos feitos para discordar. Esse é o
nosso código genético.” Ao que um deputado da oposição moderada indagou “porque nos pediram para selar este
orçamento?”, tendo a reposta vindo célere: “não contávamos que vocês aceitassem.”
No dia seguinte, quem madrugou e saiu à rua sentiu um frio a percorrer a espinha dorsal. Uns porque temiam que o desacordo do orçamento tivesse consequências funestas para o devir da nação. Outros porque estavam ainda emocionados pela disposição dos deputados para irem aos antípodas do que andaram a ajuramentar.
No dia seguinte, quem madrugou e saiu à rua sentiu um frio a percorrer a espinha dorsal. Uns porque temiam que o desacordo do orçamento tivesse consequências funestas para o devir da nação. Outros porque estavam ainda emocionados pela disposição dos deputados para irem aos antípodas do que andaram a ajuramentar.
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