14.11.13

Thin lines

In http://th05.deviantart.net/fs70/PRE/i/2011/075/1/f/flowers_on_a_thin_line_by_justthorvald-d3bs0yc.jpg
Falávamos da fragilidade das coisas. Mesmo das que exibem uma robusta ancoragem e deixam à mostra os alicerces firmes em cujo dorso se deitam. Podemos olhar para o universo onde desfilam as estrelas. Diz-se que as estrelas são eternas. Os cientistas desmentem mitos: as estrelas perecem. E as estrelas, podemo-las achar objetos que pertencem à categoria dos objetos ungidos com firmeza.
O rapto do tempo futuro pela incerteza que o embebe desonera-nos de responsabilidades nesse tempo. Pisamos linhas ténues, mesmo quando elas parecem largas avenidas onde centenas de corpos se podem deitar uns ao lado dos outros. Não nos achemos amedrontados pela vingança do tempo futuro. Não deixemos hipotecar o único tempo que é nosso, o tempo de que temos conhecimento: esse mesmo tempo, efémero, que se consome na instantaneidade dos momentos repetidos. Podem ser ténues as linhas; andemos sobre elas com a destreza que os artesãos do equilíbrio instável usam em cima do trapézio. A coragem vem de dentro de nós. Não temos de olhar para baixo. Não devemos olhar para baixo. O precipício, onde se entrelaçam as ondas adulteradas do pretérito, fermenta sondagens vertiginosas. E se as linhas, por serem ténues, são ingrediente de precário equilíbrio, não somemos outros nutrientes com a teimosia de aproveitar o tempo que já não colhe aproveitamento.
As avenidas largas, onde os ecos se perdem na lonjura, são hospedagem que torna os precipícios maus conselheiros. Não varremos o tempo pretérito do seu condomínio por mera vontade, como se fosse possível coalhar a amnésia nesse tempo que se ausentou. Não: não recusamos o património que deixámos atrás de nós. O património é uma parte grande do que hoje trazemos em nós. Mas não podemos entregar a cautela que encerra o doravante de cada vez que espreitamos entre a ora estreita, ora larga, fechadura que sepulta o tempo de antanho.
As coisas, as palavras, os sedimentos, os olhares, os gestos, os momentos: tudo se entrega sem remissão ao império da fragilidade, tão próprio do decaimento da natureza, humana ou não. Não é sinal de capitulação. Ao contrário: o ratificação das fragilidades, em atrevida negação da heroicidade que só existe na letra de forma dos romances, é o sinal maior das forças que arregimentamos. No espectro cósmico que congemina o tempo que se consome e logo se renova. Até que, no enlace do tempo assim penhorado, frua a vontade de eternizar o que em nós deixa interior, e sólida, peugada.

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