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De há uma semanas a esta parte, consumia
a pausa matinal a observar os gatos nos terraços das redondezas. Saía à varanda
com a chávena de café, não importava que estivesse de chuva ou que o sol ainda
tisnasse a pele. Às vezes, perdia a noção do tempo e as colegas chamavam-na de
regresso ao trabalho. Era como se estivesse a escrever um romance mental e os
gatos vadios que encontravam pouso no terraço à volta fossem personagens do
enredo.
Catalogou os gatos. Eram oito. Comiam no
canto de um prédio, onde uma velhinha, de certeza embebida em solidão, a aplacava
através do convívio com os gatos. Falava com eles. E eles aproximavam-se de
cauda em riste, o rosto emproado, dir-se-ia que extasiados com o odor que vinha
de dentro dos sacos onde a velhinha guardava o repasto. Comiam até se
empanturrarem. Depois, um ou outro ensaiava uma peleja lúdica, mordiscavam o
pescoço, alçavam a mão para esbofetearem o rival. Lavavam-se demoradamente,
humedecendo uma das mãos que era atirada contra os bigodes que ainda albergavam
vestígios da comida. O asseio só findava quando notassem que nos bigodes já não
havia sujidade.
Coçavam as orelhas. Porventura as pulgas nidificavam nos gatos. E depois deitavam-se
ao sol (se o dia fosse soalheiro) ou refugiavam-se no alpendre (se estivesse
chuva), à espera do sono. Não havia insónias. Dobravam-se sobre o dorso,
encaixando a cabeça junto dos pés e aterravam num sono demorado. Alguns dos
gatos, em havendo dias mais frios, recostavam-se uns nos outros à procura do
calor que contagiavam reciprocamente. E dormiam. Horas a fio. Não os importunavam
os aviões que têm rota de aterragem por cima dos prédios e já voam baixo, ruidosamente.
Não se incomodavam com as ambulâncias e os carros da polícia que anunciam, com
estridência, as sirenes de uma urgência qualquer. Não queriam saber das donas
de casa que vêm à varanda estender roupa lavada, ou despejar as migalhas que
estavam na toalha embrulhada que veio de uma refeição anterior.
Ao fim do dia, quando ela voltava à
varanda para arejar do ar pesado de um dia de trabalho, retomava a catalogação
dos gatos. Não faltava um. Ainda dormiam todos. Alguns, na mesma posição em que
estavam por volta dos meados da manhã. Outros mudavam de pouso, mas mantinham-se
leais ao sono. Estavam gordos. Pudera! Deixá-los ser poltrões e alegres como
acharam a alegria naquele terraço.
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