31.10.14

Roer a corda

Tricky, "Parenthesis", in https://www.youtube.com/watch?v=1ZsPPljyFTo
Naquele dia, queria romper com o combinado. Com os contratos todos. Sabia que os tribunais, mais tarde ou mais cedo, estariam a morder a perna. Não queria saber. Ele havia tantas histórias de gente bem sucedida que perdera a vergonha na cara e fora por diante com os planos (insidiosos, para a gente temente das regras) que cuidavam de esquecer os deveres assinados. Era como se a assinatura deixasse de ter valor. Mas a perda de valor (da assinatura) não se contaminava aos titulares, a crer na altivez que os acompanhava, nos sinais exteriores de abastança que não quadravam com o resto.
Era por isso que às vezes perguntava se compensava ser cumpridor. Se os contratos eram mesmo para respeitar, se tantos não o faziam e a justiça não conseguia deitar-lhes a mão. Compensava o risco? Compensava o temor diário de acordar sem saber se a alvorada seguinte seria numa prisão qualquer? Era quando se lembrava de uma leituras sobre teoria dos jogos e gestão dos riscos. Uma alquimia de cálculos que exigia o domínio de todas as variáveis, as certas e mesmo as incertas, que podiam bulir com uma equação. E se na equação estavam valores tão importantes, as variáveis deviam ser pesadas com ponderação, sem sobrestimar umas e subestimar outras, não fosse o resultado da equação ser de tal ordem que a decisão final podia ser atraiçoada nos seus efeitos por erro de cálculo.
Chegou a trocar impressões com um aldrabão profissional. Soube alguns segredos (imaginou que o aldrabarão não contaria tudo o que sabe da poda) sobre a sorte de ser aldrabão até à justiça. Era preciso destreza, sangue frio, sentido de oportunidade, falta de remorsos – ou um cínico olhar de desconfiança sobre o mundo em redor, pois o aldrabão confessou que lhe fazia espécie ficar para trás dos espertos que singraram às custas dos líricos que seguem todas as regras de acordo com os bons mandamentos.
Andou dividido pelas hesitações semanas a fio. Uma noite, tomou a resolução final. As regras tinham sido feitas com dois propósitos: para serem cumpridas ou para serem evitadas, com a sapiência de quem as evita sem deixar rasto. Escolheu o sentido do risco perpétuo. E apostou, consigo mesmo, que as malhas da justiça não haveriam de conhecer o seu nome.

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