Tricky, "Parenthesis", in https://www.youtube.com/watch?v=1ZsPPljyFTo
Naquele dia, queria romper com o combinado. Com
os contratos todos. Sabia que os tribunais, mais tarde ou mais cedo, estariam a
morder a perna. Não queria saber. Ele havia tantas histórias de gente bem
sucedida que perdera a vergonha na cara e fora por diante com os planos
(insidiosos, para a gente temente das regras) que cuidavam de esquecer os
deveres assinados. Era como se a assinatura deixasse de ter valor. Mas a perda
de valor (da assinatura) não se contaminava aos titulares, a crer na altivez
que os acompanhava, nos sinais exteriores de abastança que não quadravam com o
resto.
Era por isso que às vezes perguntava se
compensava ser cumpridor. Se os contratos eram mesmo para respeitar, se tantos
não o faziam e a justiça não conseguia deitar-lhes a mão. Compensava o risco?
Compensava o temor diário de acordar sem saber se a alvorada seguinte seria
numa prisão qualquer? Era quando se lembrava de uma leituras sobre teoria dos
jogos e gestão dos riscos. Uma alquimia de cálculos que exigia o domínio de
todas as variáveis, as certas e mesmo as incertas, que podiam bulir com uma
equação. E se na equação estavam valores tão importantes, as variáveis deviam
ser pesadas com ponderação, sem sobrestimar umas e subestimar outras, não fosse
o resultado da equação ser de tal ordem que a decisão final podia ser
atraiçoada nos seus efeitos por erro de cálculo.
Chegou a trocar impressões com um aldrabão
profissional. Soube alguns segredos (imaginou que o aldrabarão não contaria
tudo o que sabe da poda) sobre a sorte de ser aldrabão até à justiça. Era
preciso destreza, sangue frio, sentido de oportunidade, falta de remorsos – ou
um cínico olhar de desconfiança sobre o mundo em redor, pois o aldrabão
confessou que lhe fazia espécie ficar para trás dos espertos que singraram às
custas dos líricos que seguem todas as regras de acordo com os bons
mandamentos.
Andou dividido pelas hesitações semanas a fio.
Uma noite, tomou a resolução final. As regras tinham sido feitas com dois
propósitos: para serem cumpridas ou para serem evitadas, com a sapiência de quem
as evita sem deixar rasto. Escolheu o sentido do risco perpétuo. E apostou,
consigo mesmo, que as malhas da justiça não haveriam de conhecer o seu nome.
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