Grinderman, "No Pussy Blues", in https://www.youtube.com/watch?v=AO_TjpoHOJc
Não sei se é por usarem toga e andarem
com o atraso do traje obrigatório, mas sou tomado por elucubrações sobre as
tantas semelhanças entre os juízes e os padres. Volta e meia, lá vem um
exemplar dos tribunais e outro das sacristias em ponderosa peroração sobre os
costumes sociais. Não lhes importa (talvez porque a sua visão é virada para as
bainhas dos respetivos seres) que os costumes já não sejam como refletem as
suas pessoais maneiras de andar pelo mundo. Quando dissertam sobre hábitos
sexuais da espécie, costuma sair asneira colossal.
Há dias foi a vez de um coletivo de
juízes do Supremo Tribunal Administrativo (portanto, juízes no topo da
carreira). Desvalorizaram os danos que uma cirurgia mal feita provocou no corpo
de uma mulher cinquentenária. Com o manhoso argumento de que, aos cinquenta, a
uma mulher já não importa o sexo. Ficou-se assim a saber que para além do douto
conhecimento das leis e da hermenêutica associada, os preclaros magistrados são
catedráticos do sexo. Ou, pelos vistos, não: havia melhor maneira de
auto-confessarem a sua vidinha sexual que (aposte o leitor na opção mais
válida) ou é desinteressante ou se ausentou para parte incerta (há ainda
terceira hipótese: por ser desinteressante, ausentou-se para parte incerta)?
Quase ao mesmo tempo, o governo de que
dizem ser um expoente de “neoliberalismo” apostou, uma vez mais, em contrariar quem
assim o etiqueta. Na sua sanha de legiferar sobre tudo o que mexa, amassou uma
lei que agrava a punição para quem tiver o topete de insultar funcionários das
finanças. Confesso que não percebi a coisa: a desigualdade entre funcionários
públicos pode ser vertida em forma de lei? Na falta de protesto dos sindicatos
que representam os outros estalões do funcionalismo público (reivindicando
idêntica solução para os sindicalizados), fica a perplexidade a esvoaçar
enquanto o céu nos agracia com o estio a destempo. Já sabemos que o governo foi
com uma brutalidade desmedida ao bolso dos contribuintes – noutra medida mesmo
típica do liberalismo, como (não) sabem os que põem na boca o estigma do
“neoliberalismo” de cada vez que querem esbracejar demónios. Os vidrinhos de
cheiro que são os funcionários do fisco são a arma secreta do governo para
aumentar o rédito dos impostos. Daí que tenham de ser tratados na palma da mão.
Ai de quem os ofender. Está tudo explicado.
Eu tenho uma leitura diferente: os
funcionários do fisco também devem ter, como os juízes do Supremo Tribunal
Administrativo, uma vida sexual enfadonha (ou inexistente – vá-se lá saber qual
dos males é o pior). Para não agravar os padecimentos da alma, que seriam
maiores caso tivessem de levar todos os dias com a má educação de sujeitos
passivos de impostos mal dispostos com a fatura do fisco, que venha lei
dissuadir os pagadores de impostos de ultrajarem os vidrinhos de cheiro que
trabalham na arrecadação de impostos.
Só falta encerrar o vértice deste
triângulo desamoroso: e o legislador, tão empenhado em fazer leis que são
“neoliberais” e, contudo, se afastam do liberalismo como a Gronelândia está
distante da Nova Zelândia: também terá uma via sacra sexual?
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