27.10.14

O que há de comum entre juízes abstinentes e funcionários do fisco que não podem ser insultados?

Grinderman, "No Pussy Blues", in https://www.youtube.com/watch?v=AO_TjpoHOJc
Não sei se é por usarem toga e andarem com o atraso do traje obrigatório, mas sou tomado por elucubrações sobre as tantas semelhanças entre os juízes e os padres. Volta e meia, lá vem um exemplar dos tribunais e outro das sacristias em ponderosa peroração sobre os costumes sociais. Não lhes importa (talvez porque a sua visão é virada para as bainhas dos respetivos seres) que os costumes já não sejam como refletem as suas pessoais maneiras de andar pelo mundo. Quando dissertam sobre hábitos sexuais da espécie, costuma sair asneira colossal.
Há dias foi a vez de um coletivo de juízes do Supremo Tribunal Administrativo (portanto, juízes no topo da carreira). Desvalorizaram os danos que uma cirurgia mal feita provocou no corpo de uma mulher cinquentenária. Com o manhoso argumento de que, aos cinquenta, a uma mulher já não importa o sexo. Ficou-se assim a saber que para além do douto conhecimento das leis e da hermenêutica associada, os preclaros magistrados são catedráticos do sexo. Ou, pelos vistos, não: havia melhor maneira de auto-confessarem a sua vidinha sexual que (aposte o leitor na opção mais válida) ou é desinteressante ou se ausentou para parte incerta (há ainda terceira hipótese: por ser desinteressante, ausentou-se para parte incerta)?
Quase ao mesmo tempo, o governo de que dizem ser um expoente de “neoliberalismo” apostou, uma vez mais, em contrariar quem assim o etiqueta. Na sua sanha de legiferar sobre tudo o que mexa, amassou uma lei que agrava a punição para quem tiver o topete de insultar funcionários das finanças. Confesso que não percebi a coisa: a desigualdade entre funcionários públicos pode ser vertida em forma de lei? Na falta de protesto dos sindicatos que representam os outros estalões do funcionalismo público (reivindicando idêntica solução para os sindicalizados), fica a perplexidade a esvoaçar enquanto o céu nos agracia com o estio a destempo. Já sabemos que o governo foi com uma brutalidade desmedida ao bolso dos contribuintes – noutra medida mesmo típica do liberalismo, como (não) sabem os que põem na boca o estigma do “neoliberalismo” de cada vez que querem esbracejar demónios. Os vidrinhos de cheiro que são os funcionários do fisco são a arma secreta do governo para aumentar o rédito dos impostos. Daí que tenham de ser tratados na palma da mão. Ai de quem os ofender. Está tudo explicado.
Eu tenho uma leitura diferente: os funcionários do fisco também devem ter, como os juízes do Supremo Tribunal Administrativo, uma vida sexual enfadonha (ou inexistente – vá-se lá saber qual dos males é o pior). Para não agravar os padecimentos da alma, que seriam maiores caso tivessem de levar todos os dias com a má educação de sujeitos passivos de impostos mal dispostos com a fatura do fisco, que venha lei dissuadir os pagadores de impostos de ultrajarem os vidrinhos de cheiro que trabalham na arrecadação de impostos.
Só falta encerrar o vértice deste triângulo desamoroso: e o legislador, tão empenhado em fazer leis que são “neoliberais” e, contudo, se afastam do liberalismo como a Gronelândia está distante da Nova Zelândia: também terá uma via sacra sexual?

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