28.10.14

Do efeito torrencial dos calendários pendentes

Ty Segall, "Feel", in https://www.youtube.com/watch?v=oEskAdhy9WM
Dizem que há um poente irrecusável. É onde se faz tarde, onde o sol se deita e não regressa na consolação das almas. Dizem que esta sucessão de ocasos diários não é infinita. No estirador das certezas, uma há que não consome tempo a ser esboçada: não vamos a caminho da imortalidade.
Temos de aprender com a marcha latente dos calendários que se desprendem das janelas que sobre nós espreitam. Uma encruzilhada de tempos entrecruza-se na maciez do tempo. Às vezes, não damos conta de o tempo passar. Depois vem uma efeméride ecoar nas memórias, destapa-se a poeira que a acamava nas ilustrações para memória futura e reparam-se os esteios que atam a distância temporal entre o acontecimento e o momento em que é tirado do bornal das memórias. Sentimo-nos hipotecados pela bruma efémera do tempo. Do tempo ausente, do tempo vindouro, do tempo que é o tempo único que tem serventia saber existente, o agora que se consome em instantes e afivela o húmus que deixamos.
Outras vezes, não há maneira de o tempo atravessar os oráculos que o aprisionam. É o tempo da procrastinação. Tiramos uma medida do adiamento das coisas, por temor das resoluções necessárias, ou apenas porque somos madraços do tempo futuro. Nas suas medidas todas, passa por nós e só o sentimos como brisa ululante a sussurrar ao pescoço, sobretudo quando temos a medida do tempo gasto em coisa alguma, selando o desperdício em estado puro. Não, nem vale a pena deitar mão ao arrependimento, que não há como deitar ao tempo uma retroativa medida (a não ser aos que desgastam o tempo sensível com o retrovisor que lança âncora ao pretérito, essa perfeita inutilidade).
Somos um corpo que envelhece. Os sinais estão à mão de semear. As árvores centenárias recusam o estertor que delas seja consumição. Dormem de pé. Livram-se das folhas caducas. Mas não é sinal de envelhecimento. É uma astúcia para se reinventarem depois da hibernação. Pode parecer que vêm abaixo; não há maior engano: estão em demanda das forças para se tornarem altivas quando chegar o momento certo.

1 comentário:

Richard Silverberg disse...

Obrigado pelo texto! Aproveitando o assunto, a quem interessar, nos forneceu um link para um teste onde podemos identificar o seu tipo de procrastinador:

http://www.playbuzz.com/sidartal10/que-tipo-de-procrastinador-voc

É baseado no livro de uma psicóloga chamada Linda Sapadin (“It’s About Time!: The Six Styles of Procrastination and How to Overcome Them”, Penguin Books, 1997).