20.10.14

A folia que inebria


The Stranglers, "La Folie", in https://www.youtube.com/watch?v=g9cSa6EjVRA
Quem diz que a vida é uma loucura? Loucos são os que por ela passam sob o jugo de uma batuta que os mantém ordeiros. Loucos são os que vão pelos prados verdejantes e atuam como rebanhos – ordeiros. Loucos são os que hipotecam a vontade. São loucos sem lucidez, sem préstimo algum. Nós somos de uma loucura diferente. Atiremo-nos de cabeça no abismo. Vamos pelos mistérios insondáveis, descobrindo o que houver por descobrir, nem que seja o nada depois de um beco à saída da encruzilhada. Não vamos lamber as feridas. Não vamos deitar um espelho sobre o que já foi, que é pertença do tempo das sepulturas. Vamos, pelo contrário, estilhaçar os espelhos que olham por detrás das costas. Vamos abrir as rolhas das garrafas e deitemo-nos numa embriaguez sem peias. Não, não é fazer de conta que passamos pelo mundo como se ele, pungente, fosse um lugar pouco recomendável e quiséssemos nele andar anestesiados. Vamos aos elementos que purificam as sensações. Vamos saber como se extrai o tutano da vida. Não interessa com que indumentária. Não interessa o penteado, ou se o cabelo está desalinhado. Não interessa se há palavras ditas que não fazem sentido, que se foram ditas é porque nelas se encerrava um sentido qualquer. Corremos contra o tempo, para vencermos o pleito. Olhamos pela embocadura do sol e encontramos uns raios que só aos predestinados é dado revelar. Damos as mãos à folia que nos inebria. Damos as mãos aos instantes que não se consomem na vã promessa de um nada que sobeja do amanhã, pois somos nós que damos ordem para os instantes se consumirem na nossa pele. E então, já de alma cheia, colorimos o pensamento com as cores garridas que houver à solta. Vamos pelos precipícios, pois queremos ser senadores das sensações fortes, queremos beber num cálice o expoente máximo da vida que transita em velocidade excessiva, queremos os instantes emoldurados nas palmas das mãos. O sono pode ser pouco, que os sonhos podem demorar. E depois, quando tivermos a certeza que a alma está cheia, depois de termos passado todos os testes da lúcida loucura, se nos parecer, construímos com as nossas mãos o trono que de nós faz reis.

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