The Stranglers, "La Folie", in https://www.youtube.com/watch?v=g9cSa6EjVRA
Quem diz que a vida é uma loucura? Loucos
são os que por ela passam sob o jugo de uma batuta que os mantém ordeiros.
Loucos são os que vão pelos prados verdejantes e atuam como rebanhos –
ordeiros. Loucos são os que hipotecam a vontade. São loucos sem lucidez, sem
préstimo algum. Nós somos de uma loucura diferente. Atiremo-nos de cabeça no
abismo. Vamos pelos mistérios insondáveis, descobrindo o que houver por
descobrir, nem que seja o nada depois de um beco à saída da encruzilhada. Não
vamos lamber as feridas. Não vamos deitar um espelho sobre o que já foi, que é
pertença do tempo das sepulturas. Vamos, pelo contrário, estilhaçar os espelhos
que olham por detrás das costas. Vamos abrir as rolhas das garrafas e
deitemo-nos numa embriaguez sem peias. Não, não é fazer de conta que passamos
pelo mundo como se ele, pungente, fosse um lugar pouco recomendável e
quiséssemos nele andar anestesiados. Vamos aos elementos que purificam as
sensações. Vamos saber como se extrai o tutano da vida. Não interessa com que
indumentária. Não interessa o penteado, ou se o cabelo está desalinhado. Não
interessa se há palavras ditas que não fazem sentido, que se foram ditas é
porque nelas se encerrava um sentido qualquer. Corremos contra o tempo, para
vencermos o pleito. Olhamos pela embocadura do sol e encontramos uns raios que
só aos predestinados é dado revelar. Damos as mãos à folia que nos inebria.
Damos as mãos aos instantes que não se consomem na vã promessa de um nada que
sobeja do amanhã, pois somos nós que damos ordem para os instantes se
consumirem na nossa pele. E então, já de alma cheia, colorimos o pensamento com
as cores garridas que houver à solta. Vamos pelos precipícios, pois queremos
ser senadores das sensações fortes, queremos beber num cálice o expoente máximo
da vida que transita em velocidade excessiva, queremos os instantes emoldurados
nas palmas das mãos. O sono pode ser pouco, que os sonhos podem demorar. E
depois, quando tivermos a certeza que a alma está cheia, depois de termos
passado todos os testes da lúcida loucura, se nos parecer, construímos com as
nossas mãos o trono que de nós faz reis.
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