10.10.14

Vamos esquecer a história que não convém?

In http://www.conservapedia.com/images/e/ee/Stalin-140508_27880t.jpg
Façamos melhor: vamos apagar a história que não convém, aquela de que nos envergonhamos. Porque, ao apagá-la dos registos da memória, conseguimos o milagre de fazer crer que essa história não aconteceu, que foi apenas um pesadelo coletivo. É como se fosse possível ir aos fundilhos do tempo, andar com o relógio para trás e passar uma vassoura pelos protagonistas que nos desagradam. Não interessa que desse modo sejamos juízes impondo os nosso juízos aos outros; assim como assim, somos de uma estatura intelectual superior e o povo precisa de ser guiado como deve ser.
A extrema-esquerda não aprende com as armadilhas que inventou para si mesma. O estalinismo, com as depurações cirúrgicas que iam ao ponto de apagar gente (que passou a ser) incómoda das fotografias, não se despega da espuma do tempo. O mais recente aconteceu no parlamento, quando os deputados das seitas aí filiadas queriam impedir uma exposição de bustos de presidentes da república porque estavam lá retratados os que exerceram a função durante o (que insistem em chamar) fascismo. Ensinemos aos meninos que andam pelos bancos da escola a aprender a história da grandiosa pátria que teve foros de coisa exemplar nos tempos idos: quando nos envergonhamos de episódios que ficaram nos anais da história, viramos a cara para o lado de lá, fechamos os olhos, cultivamos a ignorância, fazemos de conta que aquilo, por tão vergonhoso, não se passou. Tendo origem na presciente e muito tolerante extrema-esquerda, ai de quem chamar a isto censura.
Era como se daqui para a frente cada indivíduo pudesse banir do registo da memória os acontecimentos que molharam a existência com o fracasso, as odisseias de que não se tem orgulho, e nem sequer houvesse lugar ao arrependimento (que, é certo, é perda de tempo). Refazíamos a história nossa como se fosse possível extinguir os episódios que não deviam ter acontecido se o tempo futuro pudesse fazer uma aliança com os acontecimentos passados. Lamentavelmente, os tempos diferentes não têm pontes que os unam. Pertencem, cada qual, ao tempo de que vêm. Ir lá atrás para apagar o que não interessa recordar é mau augúrio: de que somos perfeitos (e ainda bem que não somos) e de que somos engenheiros que cinzelam cirurgicamente o passado em que fomos.
A extrema-esquerda não aprende a deixar de dar tiros nos pés. Pois recordar os lamentáveis tempos da ditadura não é o melhor seguro para que esses tempos não voltem com o regresso da maré? E recordar esses tempos não é a melhor prova de vida para a extrema-esquerda? Eu cá farei o que estiver ao meu alcance para não esquecer que a extrema-esquerda existiu e continua a existir. Seria demencial fazer de conta que não conta, a extrema-esquerda, para as contas que interessam.

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