Ornatos Violeta, "Capitão Romance" (Coliseu dos Recreios), in https://www.youtube.com/watch?v=eBN-ruyacSs&list=PLxlSrH9vXgPZDVNN0jPdfsYR5yBN9njQ8
Duas mãos cheias de aniversários. Eu bem
me queria desenganar, mas o calendário que arranca o tempo ao tempo tratou de o
confirmar: tu estás crescida. Tão crescida que agora não vais deixar os dois
dígitos como expressão da idade. E eu, teu pai, embevecido por te ver crescer.
Vou-te confessar uma coisa: eu cresço contigo, cresço à medida que acompanho o
teu crescimento.
Podia ir ao tempo de outrora em busca de
memórias do que já foste. Mas não é preciso. Estar ao teu lado é a melhor
impressão digital que podemos ter um do outro. Não precisamos de lembrar o
tempo que já foi. Precisamos de caminhar juntos no tempo que nos é dado a
saborear. Isso é que importa. É quando um pai é o chão que suporta o andar da
filha, um chão sólido e liso que deixa a filha caminhar com a serenidade de
quem continua enfeitiçada pela inocência e não sabe que há sobressaltos que
podem atraiçoar o caminho que se faz. A seu tempo hás de lá chegar; é próprio
do tempo que a seu tempo terá lugar.
Até lá, vou contigo na aprendizagem da
vida, porque não nascemos na posse dos domínios do mundo nem todas as coisas em
que ele se deita nos são dadas a perceber. É por isso que digo que continuas a
precisar de colo. Não interessa que estejas quase da minha altura: o colo é-te
sempre devido. Para sarar as cicatrizes que o tempo irá abrir, pois a ninguém é
dado escapar às cicatrizes do acaso; para te dar o que de mim for útil
aprenderes; para sermos atores na ternura que, oxalá, se demore em muito tempo;
para continuarmos a ser cúmplices na música de que os dois gostamos, ou para te
contar as histórias inventadas que já não conto ao deitar. E digo-te: quero que
saibas que estou onde for preciso para estar ao teu lado. Mesmo se, algumas
dezenas de aniversários depois, porventura encontrares um lugar que seja
distante, nem assim haverá distância tanta que consiga tornar pálidos os laços
filiais que são os nossos.
Uma dezena de anos são mais de três mil e
quinhentos dias de vida. Nas dezenas que vierem pela frente, que sejamos caixa-forte
um do outro. Para sabermos que há um ombro onde repousar as lágrimas, ou um
abraço enfeitado a mil beijos que celebra as felicidades que em ti vierem fundear.
Às dezenas que estiverem para vir, bebo um vinho adocicado pela felicidade que
semeaste em mim. É para ti a música ali em cima.
Sem comentários:
Enviar um comentário