3.11.14

Tornados regeneradores

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Ele sabia que não tinham mercado as profecias que acenavam com fantasmas eternos. Também sabia das cicatrizes de outrora: despenhara-se tantas vezes de abismos (ora programados, ora inconsequentes). Mas desconfiava que os males que atormentavam os pesares não podiam ter medida perene. Não sabia quando viria o alvoroço da bonança, mas acreditava que uma manhã clara, serena, sem vento, com uma luminosidade impetuosa, daria ao porto num dia qualquer.
Talvez fosse necessário um tornado avassalador. Que tudo descompusesse, que adestrasse o caos entre os haveres das pessoas, porventura calcinante para algumas existências. Seriam tempos urdidos na dificuldade, o sobressalto tomando conta dos sentidos: a qualquer altura, um naco do tornado podia desabar sobre a sua cabeça e ele não ficaria entre os sobrantes para contar a experiência.
Veio o dia do tornado. Refugiou-se nos baixos da casa. Os ventos furiosos metiam medo. O ruído tonitruante era uma amálgama de sons: vidros partidos, árvores a partir-se pela raiz, sirenes de ambulâncias, o  mar encavalitado, o vento acelerado que entrava pelas frinchas das janelas e fazia soar uma sinfonia aflitiva. Escondeu a cabeça entre os joelhos. À falta de sono, que o barulho coalhava, refugiou-se na liberalidade do pensamento. Diria que viajava ainda mais depressa que os ventos do tornado. Foi às memórias, às que não interessava reter, e voltou sem feridas. Entretanto, o tornado tinha desparecido do horizonte. Pusera-se uma estranha calma. Lá fora, a destruição latente. Pessoas e bombeiros inventariavam os destroços.
Mas a manhã amanheceu clara, serena, sem vento, com uma luminosidade impetuosa que anotou em sonhos (que julgava, a certa altura, apenas uma ilusão onírica). A manhã desvalorizava os destroços. Pela primeira vez em muito tempo, esboçou um sorriso. Sentia a manhã clara, serena, sem vento, com uma luminosidade impetuosa a embeber-se nas entranhas. A tomar conta dele, a ensinar-lhe o mapa com os segredos vitais para a bonança em fila de espera, à espera de que lhe deitasse mão – que era tão simples quanto isso.
O tornado fora um mal necessário. Soube, tempo depois. Pois sem ele não lhe seria dado a conhecer os predicados do tempo propício. As alvoradas passaram a ser todas radiosas.

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