4.9.15

Terra prometida

Márcia, “A insatisfação”, in https://www.youtube.com/watch?v=GfrTkKzFEoE
Gente sem culpa, se não o azar de ter nascido na terra errada, na terra governada por gente que desonra aquela gente. Gente que foge da miséria. Às vezes, apenas, foge da morte certa, que a estupidez dos obuses e da demais artilharia não escolhe vítimas e leva tudo a eito. Foge como pode, esta gente.
Alguém lhe segreda que, do outro lado do mar, há uma terra prometida. Um lugar onde, ao menos, se respira paz e sossego. Um lugar onde as pessoas têm direito ao mais básico direito que é o direito de serem gente e de serem respeitados como tal. Parte à aventura, esta gente. É carne para canhão de especuladores das almas que não têm o escrúpulo como companhia dos sonhos. Muitas vezes, estes refugiados não chegam à terra prometida. São vítimas de um derradeiro ultraje à sua precária existência: o mar que se desassossegou e engoliu a balsa, a balsa tão frágil que não aguentou o infortúnio, a sobrelotação da balsa que não aguentou tanta gente a fugir para a esperança. Muitos não chegam a respirar a terra prometida. Quando lá chegam, empurrados pela maré mediterrânea, são cadáveres.
Na terra prometida, o sono teima e os governantes demoram a acordar para a tragédia. Cada dia que passa com almas depostas no mar é um degrau mais a pesar na culpa dos habitantes da terra prometida. Não sabemos prestar tributo aos valores que nos ufanamos de patrocinar pelo mundo fora. Quisemos ser civilizadores quando fomos em demanda de terras que julgávamos habitadas pelos selvagens; se não soubermos receber os refugiados que só querem ter a esperança de uma vida que se assemelhe a vida, não honramos esses pergaminhos. Não sabemos ser civilizadores dentro das fronteiras. Não que seja importante o culto de sermos civilizadores. Para o caso em que medra esta tragédia, esse ubiguismo é espúrio, insultuoso, até. Falta saber o que é o respeito por nós mesmos (sem que isto entre em contradição com o espúrio umbiguismo atrás rejeitado). Falta abrir as portas e as janelas e fechar a voracidade do mar que se transforma numa sepultura coletiva de gente inocente e indefesa.
Enquanto não soubermos como praticar este sublime gesto de humanismo, não seremos terra prometida. Seremos terra queimada.

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