15.11.16

O diplomata

The Jesus and Mary Chain, “Just Like Honey”, in https://www.youtube.com/watch?v=7EgB__YratE
Diziam, no ministério, que ao jovem diplomata estava prometida carreira exemplar. Por onde passara sempre se mostrou exímio negociador, uma mente acima da média que soube contribuir, em momentos especiais, com ideias fora da caixa que trouxeram dividendos ao interesse da nação. Os líderes tinham-no em boa conta – só de saber que os líderes sabiam o seu nome, e as boas razões pelas quais dele tinham conhecimento, era auspicioso. Na carreira diplomática não havia ninguém que tivesse subido tanto e tão depressa. Se os ventos soprassem de feição, subiria a embaixador na próxima rotação dos embaixadores. Tornar-se-ia o mais jovem embaixador na história do país.
Antes de ser embaixador, já metia no estirador planos mais ousados: haveria de chegar a ministro dos negócios estrangeiros, teria uma palavra sozinha na diplomacia do país. Sabendo-se o menino bonito do regime, a quem eram pedidas opiniões sobre os negócios externos (sem que os outros embaixadores pudessem saber), o jovem diplomata continuou a esmerar na providência solicitada. Parecia que tinha um oráculo escondido. Parecia adivinhar o futuro, muitas vezes contra os presságios (de ordem contrária) de diplomatas experimentados e do próprio ministro da tutela. Os líderes tinham especial consideração pelo jovem diplomata quando souberam que ele tinha suavemente dobrado o braço dos diplomatas dos outros países com os quais um acordo internacional estava em cogitação. Estando as negociações a correr mal para os interesses da nação, o jovem diplomata virou o jogo ao contrário com uma jogada de mestre que desarmou os outros. Houve quem dissesse que o jovem diplomata conseguiu hipnotizar os representantes dos outros países, de tal maneira os convenceu a assinar um acordo que era muito favorável para o país do jovem diplomata.
Anos mais tarde, soube-se que o jovem diplomata (já ex-ministro dos negócios estrangeiros e exilado num país outrora amigo, mercê do golpe de Estado que depôs os tiranos que o acoitavam) era um génio da informática. Ele conseguia, sozinho em consecutivas noitadas servidas a substâncias ilícitas, descobrir os segredos de Estado dos outros países e os podres em que medravam os diplomatas sentados do outro lado da mesa das negociações. Tinham-se enganado na missão. O jovem diplomata devia ter sido recrutado para os serviços secretos. Nunca teria chegado aos néones ministeriáveis, as proezas teriam ficado na sombra do conhecimento, seriam mais úteis aos interesses da nação.
O outrora jovem diplomata não conseguiu sucumbir à usura da ambição. Não soube praticar as estafadas lições de ética de um velho e desenganado professor na universidade canadiana onde estudara. O outrora jovem diplomata converteu-se aos cânones da bondade. Agora era consultor de uma empresa de informática que produzia software antivírus e mecanismos que preveniam a intrusão em computadores pessoais. O que nunca se soube é que o outrora jovem diplomata continuava a ter um lado oculto, deambulando pela antítese da bondade que a sua feição visível ostentava. Nos tempos livres, e na retaguarda da sombra mais impenetrável, fabricava vírus informáticos opulentos e artimanhas requintadas de espionagem informática.
Sempre fora a sua maior especialidade: jogar nos dois lados do mesmo tabuleiro.

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