Mogwai, “May Nothing But Happiness Come Through Your Door”, in https://www.youtube.com/watch?v=_noyE0K4UmY
Dias totalitários, estes que são passados no coador das
ideias sem hipótese de contestação. Uma dessas ideias: o trabalho é a missão única
que uma pessoa, uma pessoa moderna, carrega no seu bornal enquanto ser que
pertence a um grupo.
Quem não é um coiote curvado às virtudes do trabalho é um
madraço incorrigível, uma personagem sem remédio a quem não interessa dar lugar
à mesa da convivência social. Trabalha-se e, imperativamente, muito. Quem não
conhece aquela gente que abordamos e que, à pergunta “está tudo bem contigo?” responde,
em morteiro célere: “ando com muito trabalho, nem imaginas”, ao mesmo tempo que
debita um ar pesaroso de quem faz de conta que está incomodado com as resmas de
trabalho que o deixam assoberbado e quase sem tempo para respirar? E, todavia,
quando se escava um pouco debaixo do verniz, descobre-se o grande motivo de
orgulho dos viciados do trabalho, o seu – dir-se-ia, sem risco de errar – único
móbil que empresta sentido à existência: dedicar largas horas diárias ao
trabalho, até do tempo que as convenções mandavam ser de descanso (noites e
fins-de-semana). A páginas tantas, parece um campeonato de horas a fio de
mergulho autista em empreitadas ditadas pelo trabalho que se tem. Como se fosse
uma credencial de bom comportamento social. Mal dos que não se queixam, em
simultânea e paradoxal vaidade, que o trabalho tomou conta deles.
Se trabalharmos pouco, somos a quintessência do
parasitismo, pois a sociedade contemporânea exige que os seus membros passem
horas e horas a trabalhar. Vivemos para trabalhar – é o mote da hipoteca da
pessoa que deixa de haver em nós. Muito trabalho é preciso para sermos mais “ricos”,
mais “produtivos”, mais “competitivos” – num vocabulário emergente ditado pelos
gurus da gestão, que se desimportam com o resto, pois não vendem a imagem que não
têm (ou não sabem ter) vida fora da profissão. O seu sucesso é a bitola para os
demais. Empenhando todos numa deriva absurda, que leva ao desgaste do tempo que
merece ser consagrado para o que está fora do trabalho e que é credor de importância.
À deriva que manda passar o tempo depressa de mais, por mais que seja quase
sempre depressa para o tanto que levam para fazer.
Não, isto não é a apologia da preguiça. (E se fosse, que
mal viria ao mundo se não houvesse o direito a aplaudir a preguiça, que
entorses teriam de ser praticados à liberdade de expressão?) O trabalho não
pode ser um balão sem oxigénio metido na cabeça.
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