25.11.16

Saldo

Ghostpoet, “That Ring Down the Drain Kind of Feeling” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=z6vvVdxqm2s
Inventário das coisas inúteis, ou apenas das que perderam utilidade (quando a tiveram num tempo pretérito). Inventário dos objetos imprestáveis, dos que perderam serventia pela espessura do tempo, ou pela mudança interna que instalou a ideia da sua inutilidade.
Amontoam-se a um canto, separados os objetos por categorias definidas no momento. Às vezes, as mãos que passam por um desses objetos amoedam as memórias do tempo em que tais coisas medraram num significado. Dá para pensar se o inventário meticuloso não será, ele próprio, uma inutilidade (ou a maior das inutilidades). Um breve pensamento sobre o assunto desmente a interrogação. Não adianta endossar coisas para a inutilidade de um arquivo esconso, onde nelas se depõe a poeira que ameaça promovê-las ao estatuto de perfeito esquecimento. Seria só um fingimento. Talvez fosse melhor. Ao menos, em contramão com o exercício que as resgata do esquecimento para o logradouro da destruição, não haveria a arrematação de fragmentos isolados que povoam o estúdio das memórias. E se há memórias úteis, há as que são tão inúteis como as coisas inúteis inventariadas para se confirmar a sua inutilidade. Mas essa inutilidade – ou a sua confirmação – é a prova viva da utilidade do exercício.
Talvez a função exija um outro cuidado metódico: saber separar o tempo pretérito da necessária liquidação das coisas que perderam uso. Objetivando a função, isolando-a do cenário do tempo. Pois – e está é a sua principal virtude – a função consegue arrematar para o olvido as memórias embebidas na pele das coisas reservadas em baús sem serventia. É como se uma digressão pelas costuras da alma repensasse o seu húmus. Num movimento heurístico, em que as costas do tempo aparecem voltadas no avesso das mãos, o lugar de que os olhos não querem ser visita assídua.
Do alto de um promontório, tudo colocado no equilíbrio estável alinhavado nos umbrais das águas calmas em que navega o pensamento, na jugular de uma balança meticulosamente aferida. Já não é uma conta-corrente em constante apuramento. A conta-corrente foi saldada com o saldo imperativo das coisas que perderam utilidade. Um despojamento necessário. Como se a alma precisasse de se esvaziar de tudo, ser atirada nua para a frente de um espelho. Para depois escolher a indumentária aformoseada que a reveste na posteridade.

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