Ghostpoet,
“That Ring Down the Drain Kind of Feeling” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=z6vvVdxqm2s
Inventário das coisas inúteis, ou apenas das que
perderam utilidade (quando a tiveram num tempo pretérito). Inventário dos objetos
imprestáveis, dos que perderam serventia pela espessura do tempo, ou pela
mudança interna que instalou a ideia da sua inutilidade.
Amontoam-se a um canto, separados os objetos por
categorias definidas no momento. Às vezes, as mãos que passam por um desses
objetos amoedam as memórias do tempo em que tais coisas medraram num
significado. Dá para pensar se o inventário meticuloso não será, ele próprio,
uma inutilidade (ou a maior das inutilidades). Um breve pensamento sobre o
assunto desmente a interrogação. Não adianta endossar coisas para a inutilidade
de um arquivo esconso, onde nelas se depõe a poeira que ameaça promovê-las ao
estatuto de perfeito esquecimento. Seria só um fingimento. Talvez fosse melhor.
Ao menos, em contramão com o exercício que as resgata do esquecimento para o
logradouro da destruição, não haveria a arrematação de fragmentos isolados que
povoam o estúdio das memórias. E se há memórias úteis, há as que são tão inúteis
como as coisas inúteis inventariadas para se confirmar a sua inutilidade. Mas
essa inutilidade – ou a sua confirmação – é a prova viva da utilidade do exercício.
Talvez a função exija um outro cuidado metódico: saber
separar o tempo pretérito da necessária liquidação das coisas que perderam uso.
Objetivando a função, isolando-a do cenário do tempo. Pois – e está é a sua principal
virtude – a função consegue arrematar para o olvido as memórias embebidas na
pele das coisas reservadas em baús sem serventia. É como se uma digressão pelas
costuras da alma repensasse o seu húmus. Num movimento heurístico, em que as
costas do tempo aparecem voltadas no avesso das mãos, o lugar de que os olhos não
querem ser visita assídua.
Do alto de um promontório, tudo colocado no equilíbrio
estável alinhavado nos umbrais das águas calmas em que navega o pensamento, na
jugular de uma balança meticulosamente aferida. Já não é uma conta-corrente em
constante apuramento. A conta-corrente foi saldada com o saldo imperativo das
coisas que perderam utilidade. Um despojamento necessário. Como se a alma
precisasse de se esvaziar de tudo, ser atirada nua para a frente de um espelho.
Para depois escolher a indumentária aformoseada que a reveste na posteridade.
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