At Freddy's House, “The Story of a Rag Doll”, in https://www.youtube.com/watch?v=43jUVg1d_Gc
O gato preto precede o meu passo. Diria que adivinha para
onde vou. Assustado, acelera ao pressentir que o estou a perseguir. Não estou. Limito-me
a segui-lo: gato está-me a levar pelo caminho que tinha pensado. Talvez esteja
atrás do gato preto; ou o gato preto seja uma espécie de oráculo que alinda o
caminho que tinha pensado para chegar ao lugar aonde queria chegar.
Não fico medroso atrás do gato preto. Ainda o chamo, só
para ver ser é amigável e vem à procura de afeto. Mas o gato preto não dá caução
a tamanhas confianças. Dois passos à frente, precatando outros males, desconfia
do humano que vem atrás. Podia o gato preto desejar que o humano que o segue
fosse dado às crenças populares que personificam os gatos pretos como estuários
dos terríveis azares. Mas o gato preto não acredita na insana profecia popular.
O gato preto é mais esperto do que o povo sofregamente inculto que determina a
má sorte dos gatos pretos.
Não tendo preconceitos deste jaez, continuei atrás do
gato preto. Continuei a seguir o que era o meu caminho. Não senti ventos frios sussurrando
na nuca, ou arrepios medonhos que tivessem o condão de me paralisar por dentro –
quanto mais não fosse, para desencravar a moeda do azar que (não fosse a
sabedoria popular uma contradição de termos) o gato deixava atrás de si e eu
recolhia com os sapatos.
O gato, enfim, foi à sua vida. Virou para o jardim
frondoso enquanto eu meti pela escadaria que depois dá acesso ao local de trabalho.
Não há notícia que o gato se tenha ido desembaraçar de obrigações laborais. A crer
no aspeto do gato preto, roliço como estava, não era por ser vadio que faltavam
mantimentos. Vendo a desconfiança exibida, o gato preto não tem intenções de
deixar de ser vadio. Não precisa do trabalho para haver alimento. Quem certifica
os pergaminhos do infortúnio pronunciados pelos gatos pretos, apenas revela inveja
da vadiagem recompensada de que são epítome os gatos pretos.
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