Hot Chip, “Need You Now”,
in https://www.youtube.com/watch?v=lfH5LmhvQQk
Podia ser maior o orgulho se não exibir um couraçado à
prova de bala a proteger a pele toda? Temerário, arremetia contra as
intempéries, os sobressaltos, os tresloucados que o desafiavam para pelejas
prometidas. Não hesitava, se preciso fosse, em dar o peito às balas (não se
cansava de ufanar, com voz em declinação marcial).
Todavia, por dentro estilhaçava-se na mais frágil das
fragilidades. Ostentava medalhas imaginárias, proclamando uma valentia que só
existia no interior da fortaleza que julgava existir por dentro dele. Mas se
olhasse para trás, só tinha para resgatar episódios da aflitiva fragilidade que
o embaraçavam (mas só no seu íntimo, sem nunca dar parte de fraco). O escudo de
que se gabava, era de papel. Um papiro quebradiço, que se esboroava ao mais
pequeno contratempo, ao menor silvo do vento. Um papiro trespassado pelas
lágrimas em que se consumia, mas sempre às escondidas. A valentia ostentada não
quadrava com a exibição de lágrimas; logo ele, que esbracejava bandeiras
marialvas e não se cansava de dizer, em pose militar, que os homens não choram
sob pena de androginia duvidosa.
Avançava, sem mostrar medo, para as empreitadas que
convocavam o desassombro do corpo. As mesmas que dispensavam um módico de
racionalidade – pois uma valentia assim costuma andar nos antípodas da
racionalidade serena. Não aprendia com as sinuosas voltas da vida, as sinuosas
voltas que já o tinham apanhado à má-fé (e tantas vezes). Não aprendia com uma
certa loucura que o hipotecara dessas vezes. De cada vez que o escudo de papel
se diluíra nas lágrimas vertidas fizera uma demorada e pungente travessia do
deserto.
As coisas repetiam-se, todavia. Não tinha capacidade de
aprender com o que já devia ter aprendido. Voltava a ensimesmar num castelo sem
paredes, convencido que tinha poder para agarrar o vento entre os dedos e
transformá-lo em perfumadas pétalas de uma flor. Resoluto, avançava de caras
para as pelejas perfiladas. Voltava tosquiado, arqueado pela insignificância.
Acontecia sempre o mesmo depois da derrota humilhante: nos momentos
posteriores, regressava, esfarrapado e com o orgulho destruído, mas convencido
do contrário. Como se habitasse um mundo paralelo em que tudo acontecia no
avesso do acontecido.
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