Nick Cave & the Bad
Seeds, “Skeleton Tree”, in https://www.youtube.com/watch?v=O7tfTBtpR0E
I
Fugir dos holofotes que chamam a luz. Pois não têm préstimo
as opiniões que venham a terreiro, por mais que alguém haja a considerá-las
proveitosas. Duvido que sejam; talvez, apenas, um dilúvio de frases soltas,
todavia com um fio condutor (haja ao menos esse predicado), sem originalidade, apenas
um repositório de palavras bebidas aqui e ali. Fugir dos holofotes que chamam a
luz. Pois a luz pode embaciar a exigível lucidez, ao impor por dentro uma imodéstia
que a lucidez não consegue tolerar. E fugir dos holofotes porque assim o impõe
a salubridade do anonimato.
II
Fugir dos medos. Dos medos todos. Das cobras (e de répteis
em geral), dos aviões que caem, de inesperadamente ir parar à rua despojado de
roupas, de grutas escuras e apertadas que não encontram saída e não admitem um
recuo, de ficar à beira da apoplexia por causa de uma pastilha elástica
entalada na garganta (mesmo não sendo consumidor de pastilhas elásticas), dos
pesadelos que nunca são chamados ao sono. Fugir dos medos de agora e dos que
vierem a ter palco vindouro, para deixar respirar o pensamento sem os atilhos alinhados
pelos medos. Porque os medos são um embaraço à liberdade. De ser como se é. De saber
como se seria, não fossem os medos madraços.
III
Dos contratos assinados a tantas mãos. Pois os contratos
supõem que quem os celebra não tem confiança mútua. Se chegasse a palavra, não
eram necessárias resmas de papeis onde as cláusulas do contrato aparecem em
forma de letra, o que é admitido e o que fica cerceado à vontade de quem assina
o contrato, as punições preventivamente previstas para o caso de alguém se ter
arrependido de celebrar o contrato. Quanto mais sejam as mãos que lacraram o contrato,
maior é a probabilidade de o contrato ser uma contrariedade. Fugir dos
contratos é como mergulhar as mãos extenuadas num poço de água fresca.
IV
Dos relâmpagos que emprestam cor ao céu, um ardil
espantoso. Pois a constelação de luzes que rasga o céu cativa a admiração. Mas as
trovoadas são uma intrusão que ataca o fundo de quem delas é presa. O troar
retumbante é como um terramoto que hipoteca os alicerces. Porventura, deixando-os
em ruínas já a destempo de se recuar à véspera dos relâmpagos. Fugir dos relâmpagos
iridescentes, para enganar os ardis que os outros apalavram e que conduzem ao
papel de presa. Pois um espetáculo feérico pode ditar a capitulação, quando as
coisas são irremediáveis.
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