David Bowie, “Let’s Dance”,
in https://www.youtube.com/watch?v=N4d7Wp9kKjA
Sei: não consigo reunir o aplauso se descer ao palco
onde se dança. Não é preferível escrevermos, a quatro mãos, as palavras que
coroam o império onde temos o miradouro sobre o mundo? Os dois pés esquerdos
meus não quadram com a arte da dança. Seriam, muito provavelmente, o cadafalso
de uma desarte. O epítome de alguma coisa em sublimação da inestética.
Por isso insisto: colhemos as palavras do céu da boca e
depomo-las no musgo fresco que acama o papel que imaginamos ser a cama das palavras.
A quatro mãos. Eu começo com as palavras mote. E fico à tua espera, que sigas
com as palavras que julgas serem o ato contínuo. E assim sucessivamente.
Insisto: será melhor resolução do que uma dança em sintonia impossível, por
causa do par de esquerdos pés que trago ao fundo das pernas. Dirás que é coisa
que se ensina. Não contraponho, a não ser no incrível pormenor de que nem tudo
o que se ensina se materializa numa aprendizagem.
Façamos do avesso: convocamos as palavras que nos
sondam, aquelas que são um sussurro à volta dos ouvidos, condensamo-las num
pórtico humilde onde as palavras se montam em poética forma. Compomos as
coreografias apalavradas. Para não desiludir a dança, pois não chega o teu par
de pernas adestradas para uma dança destas se os meus esquerdos pés forem
contrariedade sem remédio.
Por isso, volto a insistir: vamos aos campos soalheiros
interrogar as palavras que queiram nossas. Desconstruímo-las, se preciso for,
ou se apenas for essa a nossa vontade. Reinventamo-las com sentidos que forem
ditados pela nossa vontade, que é soberana. Por páginas e páginas a fio, até
ser grossa a resma de papel e decidirmos que vamos queimar essas páginas. Pois
as palavras que contam ficam guardadas sob a língua no cais mais fundo que só
nós sabemos, prontas para serem douradas quando pela voz as entoarmos e nos
abraçarmos ao ouro que guardamos dentro do peito. Sem serem precisas danças que
desenroupam a pobreza dos meus dois esquerdos pés.
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