Grandaddy, “Way We Won't”, in https://www.youtube.com/watch?v=jRC1gwIdCe4
Somos juízes perenes? Para começar, a cada um compete o
julgamento de si próprio. Pode ser custoso, quando o julgamento se evade entre
a bruma onde as vergonhas se escondem. Nem a mais densa névoa consegue sacudir
do horizonte os lamentáveis episódios que nem arrependimentos mil conseguiriam
banir. Não adianta fazer de conta que não tiveram lugar. Não adianta fazer de
conta que não há um julgamento por fazer. Entrar em negação, não é solução. Ninguém
pode ter a exigência da perfeição, que não quadra com a condição humana. Afinal,
não se exige tanta coragem interior para juntar os factos num labéu de
autoacusação: os erros admitem-se, lamentam-se e, quando não é possível emendá-los,
cuida-se de atirar os dados para a mesa onde se joga o porvir.
Quando damos conta, também nos sentamos no lugar de um
juiz que emite juízos de valor sobre os outros. Irrecusável, a tarefa. Podem alguns
chamar a si este papel numa prolixa e implacável atividade de julgamento dos
outros. Desconfio que preferem desviar as luzes para o que consideram os réus
de alguma coisa, porque fogem metodicamente do julgamento que se recusam a
praticar sobre si mesmos.
Fora desta soez condição, que se aproveita de um patológico
ato de autonegação, o julgamento dos outros pode aproveitar para meter o eu na
balança onde ele se sopesa. Em não sendo ilhas isoladas, sem continuidade com
os outros (mesmo os que pertencem à gente anónima, mas que se deita no banco
dos réus destes julgamentos), somos uma parte do que bebemos nos outros. Pelas boas
e pelas más influências que exteriorizam. Às vezes, vamos buscar um pedaço dos
outros quando julgamos que tamanha influência nos ajuda. Muitas vezes, falta a
humildade que inspira esta influência. De outras vezes, apanhamos um módico dos
outros para nos situarmos nos seus antípodas.
Em ambos os casos, temos de adestrar o pensamento e
abraçar alguma lucidez para os necessários julgamentos que deixam o raciocínio tirar
uma conclusão. Nem sempre o julgamento dos outros é uma desnecessidade. Só que, às vezes, é difícil
saber se através do julgamento dos outros estamos, em silêncio e em contínua
negação, a fazer o autojulgamento que recusamos fazer.
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