Tricky, “Hell Is Round the
Corner”, in https://www.youtube.com/watch?v=E3R_3h6zQEs
Dizia que há pessoas que não apetece conhecer para além
da justa medida. Passando dessa medida, pode desapetecer a pessoa. Dava o
exemplo de uma poetisa. Lendo os poemas, só apetecia conhecê-la. Devia ser uma
pessoa com um sentido de humor singular. Quando a viu num programa de televisão,
logo se arrependeu. A poetisa em carne e osso parecia uma pessoa singularmente
irritante. A extravagância ressoava a artificialidade. Os problemas de dicção
também incomodavam – mas devia ser por conta da extravagancia ardilosa. E deu
consigo a pensar se o juízo não era injusto. Não se podia ter como impossível
alguém por um assomo da sua personalidade. Há quem se enerve à frente das câmaras
de filmar e esconda o seu verdadeiro eu atrás dos nervos.
Insistia na tese: há pessoas a quem não se deve dar o
benefício da dúvida. É preferível – insistia – tê-las como conhecidas, mantendo
uma distância (que a apetência pelos lugares-comuns fez enfatizar “uma distância
higiénica”). Era preferível ficar com a impressão que apetecia conhecer tais
pessoas um pouco mais, mas manter a lucidez de continuar a ter a distância de
uma trela que trava cumplicidades escusadas. Argumentava: quando damos a mão e
há pessoas que entram no reduto em que poucas têm autorização para entrar,
depressa as camadas mais densas dessas pessoas se atrevem a incendiar atritos.
Depressa fermenta um arrependimento. Não demora até a
essa pessoa entrar no grupo dos proscritos. Com a agravante de ser mais funda a
desilusão: se era tão promissora essa pessoa que lhe foi estendida a mão, e
depois acabou por se perceber ter sido um erro tremendo. A desilusão não é por
a pessoa que se prometia numa irradiação de interesses múltiplos ter naufragado
num subnível a que pertencem as pessoas desinteressantes; foi desilusão por ter
havido um erro grosseiro de apreciação.
Depois de tanto tempo ouvir, em silêncio, a tese explicada
ao pormenor, perguntou-lhe se nunca tinha dado conta da sua sobranceria ao
narrar os cantos da tese. Como parecia não ter entendido a interpelação, refez
a demanda: alguma vez teria desconfiado que ele também era uma pessoa
desinteressante?
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