13.4.20

Basalto (short stories #206)


Trent Reznor & Atticus Ross, “8 Billion”, in https://www.youtube.com/watch?v=crCEr1mMYM0
          A pedra-pomes estilhaça as cicatrizes. Ruído metálico que adivinha o verso do miradouro enquanto o milhafre descansa em voo de cruzeiro. Diziam: as imperatrizes são vultos silenciosos que escorregam entre as vírgulas do tempo, insinuam-se nos contrafortes das almas e delas fazem alimento. Sabia-se ser assim, mas ninguém obtinha provas que dessem vencimento à prescrição. O vulcão estava cheio de nada. Eram imagens decadentes de tempos faustosos, quando todos dele tinham medo. O vulcão satisfazia-se com a posição centrípeta na paisagem: julgava-se tutor da paisagem. As pedras enrugadas, enegrecidas, que depositara à sua volta, num perímetro imenso, eram o selo do seu outrora império. As pessoas desviam o olhar. Não querem ver a besta imponente que amedrontou os antepassados. Fingem, as pessoas. Escapa-se-lhes a soberba que podiam usar de vingança. Houvesse altivez para escarnecer do vulcão e do dia trariam o expoente máximo da sua grandeza. Mas estão banhadas em humildade, as pessoas. Agradecem a fertilidade do húmus basáltico. É o acerto de contas que as anima. Sabem que o vulcão se arrependeu. Sabem: toda aquela fertilidade que nasce dos interstícios do basalto é a compensação do emudecido vulcão. Das funduras do oceano cavadas pela lava impertinente retiram o ouro vivo que as mantém. E escrevem com os dedos fartos, no pano do céu, os poemas com que sagram o matrimónio com a contemplação interior de um bem sem medida. Olham-se nos olhos e sabem de cor as cores dos olhos outros. Não são pródigas na palavra falada – é como se os vestígios do vulcão dessem cobertura a um persistente existir austero, a recusa da exuberância. Ao longe, as pessoas erguem as mãos e elas deitam-se sobre a encosta do vulcão. Como se o estivessem a domar, num afago vagaroso que vem da medula. Feitas de basalto, as pessoas não são o espelho vivo da recusa. Sabem que amanhã o vulcão acordará no mesmo sítio, vigilante. 

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