Blur, “The Universal”, in https://www.youtube.com/watch?v=BrbxWOMpwfs
Uma montanha de livros em cerco higiénico. A música ao acaso – entrego a escolha à devassa do algoritmo. Uma folha de papel sobre a minha direita (à mão da escrita – à mão direita). Um copo de vinho. Começa a leitura irredentista. Como se fosse nómada, deliberando entre a pilha de livros, um escolhido ao acaso para, minutos depois, dar lugar a outro e por aí fora. Enquanto as aleatórias músicas se sucedem, entrecortadas com palavras anotadas com o peso da mão: “O estuário oferece ao olhar as muralhas desembainhadas, como se o rio estivesse preparado para receber o mar.” Estrutura-se o verbo na carruagem do estio. O estuário passeia na tela imaginária, como se houvesse pelo meio o testemunho da alma insubmissa. “Se ao menos soubesse como são soletradas as palavras quiméricas; se ao menos as soubesse, essas quimeras, podia libertar-me do jugo que me mantém cativo. Contenho em mim a matéria-prima da liberdade. Sei que um dia terei entre mãos essas palavras quiméricas. Até lá, vou adestrando a fala nas sílabas que as compõem. Para não ficar a meio do caminho, no tempo certo.” Não sei que horas são. Os sentidos atropelam-se. A latitude das ideias não arrefece com a boémia imanente. Há livros fora do sítio. Livros que ficaram abertos com as páginas viradas para baixo, como marcador da página, sua mnemónica. Sei que do outro lado da parede se move o mundo inteiro. Mas pressinto que no higiénico cerco em que estou não há firmamento que se anteponha. Fujo do lugar-comum (podia dizer: “o céu é o limite e eu sou o meu céu”, mas a mão direita rasurou, com contundência, o esboço). Sou um turbilhão de ideias que se fundem no paredão da voracidade. Contam as palavras, como gotas de vinho, e todo esse mantimento alinhava frases avulsas. “Tomara que na sela das palavras viesse um demiúrgico momento. E da imaginação fruísse o mapa que sou.”
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