17.4.20

Fortaleza (short stories #207)


Imploding Stars, “Adulthood”, in https://www.youtube.com/watch?v=4pgYFj3w8tk
          Não peçam lágrimas de vidro no meio da intempérie. Não peçam mãos ágeis a meio de um contratempo. O estuário estreita-se perto da foz. Fica aprisionado numa camisa-de-forças e a corrente enfurece-se, esbarra contra a força explosiva do mar. Os remoinhos são formidáveis. Não por acaso, os barcos não ousam entrar ou sair do rio. É um estuário interdito. É como se fossem perenes as nuvens e do sol não houvesse se não uma tímida ideia, os olhos furtivos fugindo das suas ameias para saltarem sobre as nuvens. Não peçam a chuva vigilante se as nuvens não têm linhagem. Desconfio que há na minha fragilidade o rudimento da minha própria fortaleza. Da iminente humanidade em que me consumo, sem medo dos medos de atalaia, incorporo as vírgulas da humildade na fala. Não fujo, não finjo. Agarro-me à medula intemporal. Às vezes, fico com a impressão que guardo um vulcão profundo dentro de mim. Como se fosse o tutor de um sismo em espera, só para desarrumar as peças impecavelmente organizadas. E do caos sobrante, fazer futuro. Agiganto-me ao desconfiar da fortaleza que se arquiteta nas minhas costuras. Dedico ao saber parte do sangue fervente. A outra parte, deixo-a entregue ao desejo. Duas metades que se fazem inseparavelmente irmãs. Não volto aos lugares de outrora. Pertencem à arqueologia da memória, e a memória (caso seja preciso) é caução razoável. Procuro por cima do céu os lugares apetecíveis. O poema desarmadilhado. Matriz do corpo levitado em constantes marés que aprovam a noite. A integridade possível. Sei que sou fortaleza pelo estuário de fragilidade que me estilhaça em pedaços por sua vez mais fortes. Um murmúrio que adoça o sono enquanto de véspera se prepara o devir, na passividade com que é esperado. Os heróis são o logro de si mesmos. Imersões narcísicas que escondem fragilidades que envergonham. Eu não tenho vergonha das minhas fragilidades. Essa é a minha fortaleza.

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