Nine Inch Nails, “Together”, in https://www.youtube.com/watch?v=ehNXOIpRr6c
Diziam dos dias cercados que eram sonhos órfãos. Mortalhas à espera de corpos, mas de corpos vívidos, resplandecentes, respirando toda a vida que neles se continha. Corpos-vulcões, contra a consternação dos dias repetidamente sequestrados. Diziam que lá fora o silêncio estrutural fora substituído pelo banal rumor da cidade. As pessoas redescobriam as ruas. Redescobriam-se. Sentia-se que o sedentarismo não era o seu fado. Queriam sentir a epiderme das casas, mas por fora. Queriam voltar a cobrar o odor das rosas, naquela praça escondida num recanto só para conhecedores. Das rosas haveriam de beber um cálice de vida. Saberiam dizer como se entoava o perene. As pessoas resgatadas do exílio sabiam que não eram perenes; eram-no as rosas daquela praça, talvez mais do que a própria praça. As rosas estavam admiráveis como o estavam antes do sonho órfão que aprisionou as pessoas. Ganharam vivacidade. A sua cor era nítida como nunca se havia visto. Os olhos das pessoas eram generosos, ou as rosas estavam com saudades das pessoas. Elas demoravam-se, extasiadas, à frente dos canteiros onde as rosas se ordenavam, espigadas e extrovertidas. As rosas pareciam contemplar as pessoas que se extasiavam a olhá-las. Ninguém ousava colher uma rosa, como outrora acontecia avulso. As pessoas madrugavam para emoldurarem na memória o deslumbramento do orvalho a desprender-se das pétalas amanhecidas. Era como se respirassem através das rosas, numa invulgar fotossíntese humana. A praça fazia jus ao nome que as pessoas cunharam depois de se emanciparem do sonho sitiador. Ninguém dizia que tinha sido a última vez. As contingências são irreparáveis. Mas as pessoas queriam prometer que as rosas eram perenes. Não transigiam com agressões que vilipendiassem a lição aprendida. A praça era das rosas, não o contrário. As rosas, eram a caução da lucidez. E as pessoas, ao contrário de antigamente, não tinham inveja que as rosas fossem imorredoiras.
Sem comentários:
Enviar um comentário