Antony and the Johnsons, “The Horror Has Gone”, in https://www.youtube.com/watch?v=z4PNQ-6uNqs
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O horror tem um fim: o casamento idílico entre malvadez e os seus autores. Não se precipita o horror sem uma particular conceção da sua maldade. Quem acredita no horror gratuito? Quem acredita no horror cominado sem intencionalidade? São patologias da alma, que dela fazem um campo não frequentável. Até pelos que o habitam.
Esta maldade desatilhada não se justifica em si mesma. Não encontra, em seus meandros, uma estrutura mental justificativa. Por mais que os seus fautores vão às profundezas das grutas mentais e encontrem argumentos arrevessados que procurem uma razão para o horror cometido. Não deixam de ser autojustificações que se esgotam na insensibilidade dos argumentos, numa certa implausibilidade de quem se desobriga da responsabilidade dos horrores de que são responsáveis.
O horror tem sempre um fim. Não é um acaso. Não é um acidente não previsto na cartografia das intenções. O horror tem sempre um algoz e mártires. Amplifica-se para além dos limites orquestrados com a candura dos inocentes. O horror não pode ser um acontecimento em cascata; não pode ser a enxurrada que apanha alguém, levando-a a passar de vítima para algoz como reação à posição de vítima. O horror devia ter um fim na pessoa da sua vítima. Não devia ser possível o endosso de horrores, na interminável carantonha de horrores que desfeia toda a gente: quem os comete, quem deles é vítima e as testemunhas, aprisionadas pela impotência.
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O horror tem um fim. Chega ao fim. Não é imorredoiro. Essa é a melhor notícia sempre que um horror atravessa as fronteiras da lucidez. A História dita-o para os compêndios. Por mais que sejam excruciantes as dores de um horror, as vítimas esbracejam entre a espuma fétida do horror, espreitam pelo periscópio que deixa à mostra, no rescaldo do horror findo, a alvorada resplandecente. O método exige a paciência, um certo estoicismo criterioso.
Às vezes, as vítimas de um horror não vivem a tempo de o circuncisar. O horror precede-os na finitude. Perecem, exangues, derrotadas pelo horror que ainda não estava aprazado para a extinção. Num derradeiro suspiro, os senescentes adormecem com a grata certeza de que os sobreviventes hão de prolongar-se para além do horror. É uma questão de espera. Pelo ocaso do horror. Pois não há horror que se perenize.
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Por onde começar: pelo fim, ou pelo começo?
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