20.4.20

A armadilha dos vinhateiros


CocoRosie, “Restless”, in https://www.youtube.com/watch?v=JUJIJIVJfsA
Não digais que não vos levou no braço a presunção. Da tez esbranquiçada se arremataram as divindades hasteadas e no sacerdócio inverosímil se consumiram as fogueiras atónitas. Pode ser, senhores meus, que os olhos do avesso estejam. Que procurem um cais fundido na névoa. Ou que intempéries irascíveis se abatam nos contrafortes da memória, adulterando a fala, adulterando o próprio tempo que se emacia. 
Não temais, senhores meus, a volúpia do entrecruzamento de palavras assaltadas pelas poucas dioptrias do acanhamento eructado. Os vetustos anfitriões perderam a fala, consumidos pelo verbete da insídia, tresmalhados nas margens irreproduzíveis onde acidulam os arbustos impróprios. Ao longe distingue-se um ajuntamento de pessoas; serão patrícios? Serão forasteiros? Tememos pelo nosso fado? Esperemos que as réplicas tenham o aval da trovoada que se pressente. Se os relâmpagos cobrirem a paisagem com seu troar, devemos saber o ajuntamento penhor de hostilidade. Se a tempestade apenas rasar o nosso lugar, não temais, senhores meus, que a horda não urdirá em nosso desfavor.
Não sejais temerários, que os heroísmos perderam gesta, mutilados pelo atavismo. Encarai a pele que usais como única, improvável manto onde as cicatrizes não desdenham tatuar-se. Há ulteriores desmodos que não convidam paráfrases abonançadas, veredas sem mapa que cedilham os pés com perfunctórias rochas povoadas de arestas. Teça-se um mapa nunca inventado, senhores meus, que não transigimos com a perda dos azimutes nem alcançamos a finitude da travessia no caminho emparedado.
Não vos apagais dos inventários amuralhados, senhores meus. Vosso não é o destino ungido pelas preces sem voz. Vossa não é a fala, a menos que seja requisitada por bispos desguarnecidos de sotainas. Havemos de levar de vencida os contratempos desassisados. Dos braços transidos repomos as sementes da lua, no opúsculo rarefeito tingido com a mais florida das fazendas. Sabemos adiante ser a morada escondida dos amadurecidos artesãos. Sabemos poder interpelá-los contra a mudez do mundo. Estamos por saber se refutações nos providenciarão enquanto, indiferentes, mergulham o olhar nas artes e matraqueiam umas palavras que não se distinguem da maquinaria destoada.  
Não recusemos as dádivas que se nos apresentam atreladas às costas cansadas. Não desconfiemos das intenções dos vinhateiros. Deles se diz serem demónios disfarçados, artesãos de um néctar por tantos demandado e, todavia, fautor de diligentes maleitas e recaídas. 
Oferecem-nos um copo do primeiro mosto retirado à pipa inaugural. Estejais convencidos, senhores meus, que desse mosto não se torna insubmissa a alma? Não percais a atalaia dos sentidos, senhores meus, antes que apanhados sejamos na mortificada roda dentada onde, decadentes, os polvorosos sentidos emagrecem no fogo extinto.

Sem comentários: